São Paulo, sexta-feira, 4 de março de 1994
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'O Leopardo' foi vítima do CinemaScope

FREDERICO MENGOZZI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A seguir, Suso d'Amico fala sobre a restauração de obras de Luchino Visconti, com quem trabalhou em vários filmes, à exceção dos filmes alemães do diretor, como "Os Deuses Malditos" e "Morte em Veneza".
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Folha – Como foi a recuperação de "O Leopardo"?
Suso – Não foi uma operação como aquela de "Ludwig, a Paixão de um Rei", que teve versão completamente diferente daquela da estréia. "O Leopardo", não. O filme foi submetido sobretudo a um tratamento técnico. Visconti rodou o filme em CinemaScope, que ocupava uma tela muito mais larga que a normal e que os norte-americanos pensavam, e nós em consequência, que seria o cinema do futuro. Ao contrário, o CinemaScope desapareceu. Então foi realizado um trabalho enorme na Inglaterra, sob os cuidados de Giuseppe Rotunno (o fotógrafo do filme), que consistiu na reversão do negativo sobre uma película de formato normal. Hoje, quem vê o filme, se antes o viu em tela que não era em CinemaScope, tem o fotograma completo.
Folha – Mudou também a duração do filme, que era quase uma hora mais curto...
Suso – Não. Talvez no exterior... Isso ocorreu com "Ludwig", do qual me ocupei mais. Os americanos queriam uma certa duração, e os produtores tiveram de respeitar. Sobrou muito material. O filme não tinha três horas quando estreou e agora tem quase quatro. Quando pegamos as cópias do filme, estavam todas mutiladas, para diminuir a duração. Não sei se no Brasil existe esse péssimo costume. Agora, quanto a "O Leopardo", ao menos na Itália a versão da estréia dura o mesmo da restaurada. O grande restauro foi feito sobre as cores, que se perdem com o tempo.
Folha – No Brasil, foi exibida a versão falada em inglês e com 140 minutos de duração.
Suso – Se foi exibida a versão americana, dublada em inglês, então era mesmo cortada, mas não por nós, e sim pela Fox. É uma versão diferente, até em relação às cores. Lembro que, na estréia, nos EUA, levamos um susto. Achavam que havia pouca história e muita melancolia. E dublaram o filme com um tom de voz que fazia supor um filme de ação. Depois, a cópia era luminosa. A cena do baile, por exemplo, é escura para dar a sensação da morte e, na versão americana, aparecia como se fosse em plena luz. Era terrível.
Folha – Visconti, que tinha um temperamento forte, não brigava com os produtores que interferiam em seus filmes?
Suso – Sim. Porém no caso de "Ludwig", executou-se o massacre dos cortes quando Visconti estava muito mal e não podia nem reagir. Ficou tão amargurado que, nos últimos tempos de vida, quis rever todos os seus filmes, menos esse. Ele morreu e nós, seus colaboradores, ao ver que o produtor colocou o filme em venda judicial, organizamo-nos, compramos "Ludwig" e o remontamos. Foi um trabalho enorme. O filme não mudou apenas em relação à duração. Longo como é, parece muito mais breve, já que segue uma história e as anotações de Visconti. Mutilado como estava, o público terminava por perdê-la e se cansava. Hoje o filme nos pertence e ainda gira pelo mundo.
Folha – A sra. ainda escreve para o cinema?
Suso – No último Festival de Berlim estreou –dizem que com sucesso– "Carissimi, Fottutissimi Amici" (Caríssimos, Fodidíssimos Amigos), de Mario Monicelli, que ajudei a escrever, junto a Monicelli, Leo Benvenuti e Piero De Bernardi. É uma comédia, escrita por nós, velhos, a partir de recordações de fatos que vivemos. A história se passa na Segunda Guerra Mundial, depois da libertação de Florença, que foi muito bombardeada, teve muitos desabrigados e até a fome.
Folha – Existem outros projetos em andamento?
Suso – Agora devo escrever alguma coisa, pequena, para Martin Scorsese, um filme que se passará na Sicília. Scorsese descende de uma família do sul da Itália, propus um projeto e ele gostou. Não posso contar a história, espero que ele o faça. Posso dizer que não é uma adaptação literária. E pela primeira vez escrevo para uma "opera prima", a estréia de um diretor, Maurizio Sciarra. O filme se chamará "La Stanza dello Scirocco" (O Quarto do Scirocco) e é a adaptação de um livro.
Folha – Nanni Moretti, Giuseppe Tornatore e outros podem ser uma luz no fim do túnel?
Suso – Esperemos que sim. Dizem que é bom o último filme de Tornatore, quase um policial com Gérard Depardieu e Roman Polanski como protagonistas. Tornatore é muito capaz e Moretti, que não é nenhum jovem, é o que me agrada mais como diretor. Infelizmente, o cinema italiano registrou grandes perdas. Havia um grupo que tinha mais ou menos a mesma idade –Visconti, Germi, Rossellini, De Sica–, todos no mesmo capítulo da história do cinema... e foi uma hecatombe.
Folha – Quais os melhores filmes que saíram de seus roteiros?
Suso – Gosto muito de todos os filmes de Visconti e também, muitíssimo, dos de Monicelli, como "Os Eternos Desconhecidos", "Caro Michele" e "Tomara que Seja Mulher". "Ladrões de Bicicletas", de Vittorio De Sica, também é um grande filme e gostei de fazer. Cesare Zavattini, eu e De Sica seguimos o filme do começo ao fim. Gherardo Gherardi consta como um dos autores, mas já tinha morrido quando fizemos o roteiro. Era um comediógrafo de talento, a quem De Sica, seu amigo, prometeu chamar para participar do roteiro. Foi uma homenagem. Hoje há uma preocupação maior e os nomes que constam como autores são aqueles que efetivamente trabalharam no tratamento do texto cinematográfico. Antes isso não importava. Não existe um só espectador que vá ao cinema pelo nome do roteirista. (Federico Mengozzi)

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