São Paulo, sexta-feira, 4 de março de 1994
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Hanks dá tom dramático a filme que chama o espectador à razão

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Hanks dá tom dramático a filmeque chama o espectador à razão
Filme: Philadelphia
Produção: EUA, 1993
Direção: Jonathan Demme
Elenco: Tom Hanks, Denzel Washington, Jason Robards, Mary Steenburgen
Onde: Olido 1, Gazetinha, West Plaza 3, Cal 1 e circuito.

Longe de desmentir o Jonathan Demme de filmes passados, "Filadélfia" é sua confirmação. Nada mais próximo deste filme do que o terno "Melvyn e Howard", narrativa do estranho encontro entre Howard Hughes, o milionário, com o pobretão que um belo dia lhe salvou a vida.
Ou entre a garota sem compromissos e o yuppie cuja vida ela anarquiza em "Totalmente Selvagem". Ou a paixão entre um homem e a mulher que deve matá-lo ("O Abraço da Morte"). Para não falar do processo de identificação mútua em que se envolvem os protagonistas de "O Silêncio dos Inocentes": um canibal e uma agente do FBI.
Mas, ao contrário de todos esses outros, em "'Filadélfia" o tema se impõe ao filme já no primeiro fotograma, até antes dele, desde que ouvimos falar de um filme cujo assunto é a Aids.
Estamos face a um fenômeno que provoca mudanças de comportamento consideráveis, pelo qual todos se acham de algum modo concernidos. Mas a própria natureza da Aids (ser mortal, transmissível sexualmente etc.) provoca uma reação defensiva. Não temos vontade de saber do que se trata, como se o contato com a idéia de Aids já engendrasse o contágio.
Assim, a questão a colocar não é sobre o caráter "artístico" de "Filadélfia". Ele existe como os velhos filmes do esforço de guerra, feitos para levantar o moral da população, justificar o combate, enfim, feitos para resolver um problema imediato, não para a eternidade. No caso, Jonathan Demme e o roteirista Ron Nyswaner resolveram os principais problemas propostos pelo tema: abordar a Aids sem afugentar o público, combater preconceitos que a cercam e preconceitos em geral.
Optaram, inicialmente, por uma estrutura clássica: um advogado (Tom Hanks) é demitido do escritório onde trabalha, ao descobrirem que sofre de Aids. Contrata um advogado negro e machista (Denzel Washington) para postular sua causa. Ou seja: tudo começa por uma falsa adesão ao esquema clássico, em que um fato provoca ruptura na normalidade. Ao fim de tudo, restabelece-se a norma.
Falsa adesão porque a própria Aids impede qualquer possibilidade de retorno à normalidade. Sabe-se muito bem onde as coisas chegarão. Mas a idéia de fazer do julgamento já acena, emocionalmente, com uma batalha tipo Davi e Golias, capaz de vencer a resistência do espectador.
Seu papel didático não é menos importante. Assim, em dado momento, os advogados falam ao júri. Mas o ponto de vista da câmera coincide com o do espectador, de modo que os advogados estão se dirigindo ao espectador.
Com isso, explica-se ao júri uma série de coisas que se quer dizer ao público. Dramaticamente, tudo passa a girar em torno da necessidade de formar um juízo claro, frio e informado de um determinado problema. O tribunal torna-se lugar privilegiado para que a razão opere. Engajado no julgamento, o espectador é chamado a juntar as peças de discurso, organizar seu sentido, hierarquizar, discernir.
Se "Filadélfia" alcança seu principal objetivo é em grande parte graças à formidável interpretação de Tom Hanks. Cercado por um elenco notável, Hanks se afirma como um desses atores que fazem um papel dificílimo, dando a impressão de não estar realizando nenhum esforço especial para isso. Tom é que dá o tom do filme.

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