São Paulo, sexta-feira, 4 de março de 1994
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Pela porta dos fundos

Qualquer tentativa de influência do poder público sobre os meios de comunicação é, por definição, um perigo para a liberdade de opinião e informação. Já há no Brasil maneiras, nem sempre sutis, de tentar domesticar um determinado veículo. A mais habitual e antiga tem sido direcionar verbas de publicidade oficial para a mídia mais simpática aos governantes de turno, no município, no Estado ou na União. Mais recentemente, no âmbito federal, passou-se a utilizar a concessão de emissoras de rádio e TV para domesticar veículos de comunicação.
Pode estar surgindo um novo mecanismo. É a intenção de fundos de pensão de comprar ações de empresa de comunicação, como revelou ontem, em entrevista a este jornal, o diretor deliberativo da Previ, Francisco Parra Valderrama Jr.
É evidente que, do ponto de vista puramente formal, seria uma negociação entre particulares. Mas é igualmente evidente que os fundos de pensão das estatais têm uma vinculação umbilical com o poder público, a ponto de receberem aportes de recursos seja do Banco do Brasil, da Embratel ou da Caixa Econômica Federal, para citar apenas algumas das empresas estatais.
Quem põe dinheiro, no caso o governo, manda. É uma realidade óbvia, que supera o caráter tecnicamente privado dos fundos de pensão. Tanto manda que os diretores-executivos da Previ, o fundo do Banco do Brasil, são demissíveis "ad nutum" pelo presidente do banco, por sua vez demissível pelo ministro da Fazenda, exonerável pelo presidente da República.
Fica portanto a sensação de que o governo, por meio dos fundos de pensão que controla, ensaia um novo e poderoso instrumento de influência sobre a mídia. Reforça a suspeição o fato de que jornais não são, sabidamente, o melhor investimento do mundo. Ninguém contesta o direito de os fundos de pensão, mesmo os estatais, buscarem oportunidades de negócio capazes de assegurar um rendimento que lhes permita manter e até ampliar os benefícios de seus associados. Ao contrário, é sua precípua finalidade.
Mas quando o investimento se dirige a uma indústria cuja rentabilidade é reduzida, mas cujo poder de influência junto à sociedade é grande, nasce a inevitável suspeita de que se busca menos a rentabilidade e mais a influência.

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