São Paulo, sexta-feira, 4 de março de 1994
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"Cloaca maxima"

Já no século 6º a.C. os romanos conheciam a necessidade de investir –e bem– em obras sanitárias. Não foi por outra razão que a cidade mais prodigiosa do universo contava com uma complexa rede de esgotos, as "cloacae", e de aquedutos. Mesmo a então incipiente ciência médica já observara um vínculo entre a saúde pública e as condições mínimas de higiene.
O Brasil do século 20 d.C. parece ter esquecido essa lição. Cólera, leptospirose, leishmaniose e muitas outras doenças típicas de países miseráveis vão fazendo, aqui, mais e mais vítimas. A maior parte dessas moléstias inexistiria se houvesse condições básicas de saneamento.
É o caso, portanto, de investigar as razões que levaram os sucessivos governos nacionais a ignorar fatos reconhecidos há cerca de 2.600 anos e não terem investido na proporção necessária em infra-estrutura básica. É claro que o Brasil é um país pobre e não sobram recursos para fazer tudo o que seria desejável. É preciso, então, estabelecer prioridades. E não é necessário um PhD em ciência política para concluir que o Estado deve atuar prioritariamente nas áreas de educação e saúde básicas. Infelizmente, não tem sido esse o raciocínio das autoridades, que, num delírio megalomaníaco, chegaram a destinar recursos públicos para atividades que nada têm a ver com o Estado.
E a falta de visão do papel do Estado não foi o único pecado dos sucessivos governos. Há um outro, bem mais grave. Trata-se da cultura da ineficiência, do desperdício e da corrupção que se instalou majestosamente na administração pública. E se é certo que os recursos para a saúde não são os ideais, é ainda mais certo que os que existem são pessimamente aplicados quando não simplesmente furtados.
Os números preocupantes de aumento de casos das "doenças miseráveis" são um claro sinal de alarme, um sinal de que já passa da hora de o país repensar o papel do Estado e pôr um fim à terrível cultura do desperdício que se apossou da máquina pública. Não há tempo a perder. Ou o Brasil constrói suas cloacas ou se transforma em uma "cloaca maxima".

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