São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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URV e IGP-M, uma solução conciliatória

JOAQUIM ELÓI CIRNE DE TOLEDO

A medida provisória nº 434, que instituiu a URV e o real, trouxe uma surpresa ao mercado financeiro no artigo nº 36: a alteração das regras de correção monetária. O artigo 36 diz: "O cálculo dos índices e correção no mês em que se verificar a (primeira) emissão do real... tomará por base o equivalente em URV dos preços em cruzeiros reais e os preços ...em URV dos meses imediatamente anteriores."
A primeira reação do mercado foi de desgosto: não se ganhará o "carry over", ou o "arrasto" inflacionário no primeiro mês do real, como correção monetária de títulos e outras operações indexadas (ao IGP-M, na maioria). A segunda reação pode ser de quase pânico: não apenas não haverá ganho, mas pode haver vultosas perdas.
O problema reside no seguinte fato: suponha que em 1º de junho (digamos) é introduzido o real. Suponha ainda (apenas como exemplo, é claro...) que os aumentos de preços, em URV/real, sejam zero ao longo de maio e junho. A primeira interpretação do artigo 36 seria a seguinte:
1) Ao longo de junho, a correção monetária (que será dada pelo IGP-M de maio) seria bastante elevada e igual para todos. Neste caso, os credores ganhariam a "primeira rodada": operações que "aniversariam" ao longo do mês receberão uma correção superior à inflação efetiva.
2) Em julho, porém, a correção –dada pelo IGP-M de junho, ou seja, "calculada no mês de junho" –será zero, pois seguirá o artigo 36.
3) Logo, perder-se-ia o efeito de "carry over" do IGP-M de junho (grosso modo, equivalente a cerca de 25%, com uma inflação em cruzeiros reais na faixa de 40% ao mês). Os credores perderiam a "segunda rodada".
Esta interpretação do artigo 36 seria consistente com a ênfase em "... cálculo dos índices.... no mês" (e não do mês). Ou seja: o IGP-M válido no primeiro mês do real (calculado no mês anterior, ainda antes do real) seria "cheio"; a mudança valeria somente para o IGP-M seguinte (calculado no primeiro mês do real).
A interpretação que causa pânico ao mecado é aquela aparentemente esposada por integrantes da equipe econômica. Nesta interpretação, ainda supondo o real sendo introduzido em 1º de junho, resultaria que todas as operações indexadas ao IGP-M teriam, ao longo de junho, zero de correção monetária, inclusive as que "aniversariam" no dia 1º (mantendo-se o exemplo de inflação zero em URV).
Ou seja: a correção do primeiro mês do real segue o artigo 36. Oras, neste caso a perda é gigantesca: os credores terão mantido os títulos em carteira, em maio (antes do real), com um alto custo de carregamento, dado pelas altas taxas de juros prevalecentes em cruzeiros reais. Em junho, porém, nada receberiam de correção. A perda, é claro, seria tanto maior, quanto mais próxima do início do mês fosse a data do reajuste pelo IGP-M.
Aparentemente, trata-se de um dilema: no primeiro caso, credores ganham, devedores perdem significativamente. No segundo, inverte-se a situação.Será impossível neutralizar esses ganhos e perdas? A resposta é afirmativa: sim, é possível.
A solução, a meu ver, é simples. Basta que, ao longo do mês anterior à primeira emissão do real, observem-se duas regras:
a) Nas respectivas datas de "aniversário" ao longo de maio (ainda supondo o real em 1º de junho), todas as operações financeiras receberiam o IGP-M pleno de abril.
b) Na data de "aniversário" em maio (após a correção), as operações seriam convertidas em URV, pela cotação prevalecente na data. (O artigo 16, parágrafo único, abre caminho para tal conversão).
Se a conversão for feita desta forma –altamente recomendável, a meu ver, também para as cadernetas de poupança– neutralizam-se perdas e danos. Na prática, terá sido dada uma correção monetária "pro rata", compensando a alta inflação de maio, sem quebra de regras contratuais. Créditos e débitos serão corrigidos sempe pelo IGP-M, na moeda em que estão expressos (primeiro cruzeiros reais, depois real). Não haverá descasamento de rentabilidade de ativos e custo de passivo sem favor de ninguém. Não perde o governo, nem ganha o sistema financeiro. Parece justo.

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