São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Pela manutenção de duas moedas

BERNARD APPY

Uma das questões mais controversas do atual plano de estabilização e da transição dos contratos financeiros indexados a índices de preços quando da introdução do real. Segundo a MP 434, as regras contratuais seriam mantidas, mas a inflação residual em cruzeiros reais seria expurgada dos índices e preços a partir do primeiro mês de vigência da nova moeda.
Estas regras não apenas dão margem ao questionamento judicial do expurgo, como abrem a possibilidade de grandes desequilíbrios entre contratos com diferentes datas de aniversário. A título de exemplo, suponhamos que o real entre em vigor em 1º de junho e que haja dois contratos, um com aniversário no dia 1º e outro no dia 30, ambos corrigidos pelo IGP-M de maio (de 40%, por exemplo).
No primeiro caso, a correção efetivamente refletiria a desvalorização da moeda entre 1º de maio e 1º de junho; já o segundo contrato seria reajustado em 40% entre 30 de maio e 30 de junho, num período de inflação praticamene nula, com grande prejuízo ao devedor e benefício para o credor.
Evidentemente, seria possível estabelecer o uso de uma tablita para estes casos, assim como para os contratos prefixados remanescentes. Esta é, entretanto, uma estratégia de risco, dada à grande probabilidade de ser julgada inconstitucional.
Para superar este problema, assim como para minimizar a intervenção nos contratos, preservando o seu equilíbrio econômico, sugerimos: a) que o cruzeiro real seja mantido como moeda mesmo após a introdução do real, perdendo entretanto o poder liberatório; b) que sejam mantidos os índices de preços em cruzeiros reais; e c) que a cotação diária do real em cruzeiros reais continue a ser calculada, segundo as mesmas regras atualmente aplicadas á URV.
Com todos ou praticamente todos os preços estariam fixados em reais a partir da introdução da nova moeda, a inflação em cruzeiros reais seria determinada essencialmente pela cotação do real. É relativamente simples provar que, mantidas as atuais regras de cálculo do valor da URV, a variação mensal da cotação do real tenderia a convergir para a taxa de inflação em cruzeiros reais vigente logo antes da introdução da nova moeda.
Evidentemente, a cotação real/cruzeiro real acabaria funcionando como um tablita para os contratos ainda vigentes na velha moeda. Não se trata, entretanto, de uma tablita introduzida "ad hoc", mas sim de uma regra de conversão decorrente da continuidade da existência de duas moedas.
Na prática, a sugestão aqui apresentada apenas segue a própria lógica do plano: assim como na primeira fase coexistem duas moedas (CR$ e URV), visando a introdução gradual da nova moeda, na segunda fase continuariam existindo duas moedas (R$ e CR$), visando a extinção gradual da antiga, que funcionaria apenas como unidade de conta.
As vantagens do sistema sugerido são óbvias, na medida em que possibilitam uma intervenção muito menor nos contratos vigentes, garantindo desta forma uma maior consistência jurídica à transição. A manutenção do cruzeiro real como moeda serve ainda como garantia caso regras compulsórias de conversão –como as que deverão ser aplicadas aos aluguéis– venham a ser derrubadas. Neste caso, seria possível restabelecer os antigos contratos em cruzeiros reais sem afetar a inflação na nova moeda.

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