São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Por que podemos ter os 5 no ataque (5)

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, a seleção brasileira de futebol deverá, nos dois primeiros jogos da Copa (Rússia e Camarões, nesta ordem), a) ter a iniciativa das ações e b) dominar a bola por mais tempo que o seus adversários.
No jogo contra a Suécia -teoricamente o adversário mais difícil, porque tem uma seleção bem estruturada taticamente– esses fatores devem se repetir, só que a marcação sueca será mais forte.
Os três itens (posse de bola, iniciativa do jogo e enfrentamento de forte esquema de marcação), por si, já justificariam a adoção não só de princípios mais ofensivos, como um tipo de jogo capaz de:
A) Sair e criar a jogada com muita velocidade e eficiência (a média de passes certos precisa estar em torno dos 80%);
B) Ter mobilidade para abrir espaços na intermediária adversária, zona do "rush" de marcação;
C) Valorizar a habilidade individual para poder dominar a bola mesmo nas marcações mais homem-a-homem;
D) Valorizar a habilidade individual para tomar a iniciativa de criar rapidamente a alternativa de jogo, quando elas não são visíveis (como já se disse sobre a arte, o futebol também é a maneira de abrir as portas impossíveis).
Acrescente-se a tudo isto, o fato de, na primeira rodada, uma vitória e duas derrotas valerem mais do que três empates (uma vitória faz três pontos, três empates fazem três pontos; o primeiro critério para classificar passa a ser então o número de vitórias e quem tem uma vitória, mesmo com duas derrotas, ficará com a vaga).
O diagnóstico real da conjuntura mostra que as melhores alternativas para o Brasil são francamente ofensivas. No entanto, as pessoas que lidam e gostam de futebol no Brasil parece que estão entorpecidas por uma idéia: a marcação.
Emburreceram e empacaram no tabu da marcação e não propõem nenhuma alternativa, a não ser repetir princípios que governam qualquer futebol –e não um estágio de futebol altamente criativo e ofensivo como o que vivemos neste momento.
Vocês viram o jogo Barcelo 3 x 0 La Coruña. Viram que o Koeman deixou de exercer a função de líbero para marcar –implacavelmente- o Bebeto. E viram que o La Coruña, apesar da sua liderança no campeonato espanhol, simplesmente não tinha jogadores para criar alternativas de ataque, com o Bebeto refém do holandês marcador.
Um time como o da Suécia, por exemplo, pode muito facilmente exercer uma marcação implacável como esta sobre o Bebeto e o Romário (e ficar só de olho no contra-ataque). Quem então vai criar as alternativas? O Dunga? O Mauro Silva? O Zinho? O César Sampaio? O Raí, na atual fase?
A melhor maneira do Brasil entrar jogando na Copa para enfrentar estes adversários é jogando numa espécie de 3-2-3-2 (não o velho WM, mas uma espécie de MW; precisamos aprender a jogar com os três atrás porque os outros times só atacam com um ou dois jogadores). Jorginho, Ricardo Rocha (ou outro que se apresentar melhor, mas tá difícil, né?) e Leonardo, atrás, com os laterais subindo sempre que houver oportunidade; Cafu (talvez o jogador mais moderno do Brasil, capaz de sair girando a bola com alta frequência; seria um dos jogadores mais exigidos, pois teria que marcar a zona direita, quando a bola estiver com o adversário) e Mauro Silva (com posicionamento francamente defensivo, responsável também por cobrir o Leonardo).
Lá na frente, Romário e Muller atuariam como vêm jogando: Muller, pela esquerda, porque é veloz, domina e dribla em espaço curtíssimo, mesmo assediado por um bom zagueiro, e é um mestre em combinar a jogada de linha-de-fundo com o lateral que sobe por seu lado (no caso, Leonardo, com quem já está acostumado a jogar). O Romário, bem, o Romário é o Romário...
O espaço entre a intermediária brasileira e a intermediária adversária seria ocupado por Bebeto, caindo mais pelo lado direito, já que se entende perfeitamente com o Jorginho, Edmundo, como total liberdade de movimentação, e Dener, partindo um pouco mais de trás, pela meia-esquerda.
Impossível? Lembrem-se que Bebeto jogava mais atrás no Flamengo, ocupando o lugar do Zico (acho que ele é até melhor vindo com a bola dominada de trás do que ali, enfiado entre dois zagueiros fortes).
O próprio Edmundo me disse que começou a sua carreira no meio-de-campo e só no Palmeiras, agora, está jogando totalmente avançado (o vascaíno Roberto Benevides conta, inclusive, que ele chegou a jogar de volante). E o Dener, como lembra o Flávio Gomes, emergiu como meio-campista na Lusa.
Bebeto teria que policiar as subidas do ala esquerdo adversário, Edmundo e Dener teriam não que marcar, como supõe a mediocridade futebolística atual, mas que ocupar as zonas: Dener mais pelo lado esquerdo, Edmundo mais pelo centro.
Impossível? Não há técnico carismático, auto-confiante e corajoso que não faça este time soar (e suar) em um vai-e-vém tão bonito como uma sanfona do Luiz Gonzaga. E aí todo o mundo verá de onde é que vem o baião.

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