São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Refresco de memória

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Artigo de ontem na Folha destaca uma frase no texto e a coloca como "olho", espécie de chamada gráfica para despertar interesse pelo assunto. A frase (cito de memória) diz que o governo federal no Rio seria refém de bicheiros e do tráfico. Na condição de carioca, posso e devo entrar no assunto.
Antes de mais nada, minha posição pessoal já expressa em crônicas anteriores: o governo federal foi um hóspede incomôdo e trapalhão para o Rio. No binômio custo-benefício, a cidade saiu perdendo –e muito. De quatro em quatro anos, nos regimes democráticos, em períodos mais longos ao tempo de ditaduras, o Rio era invadido por uma horda de provincianos famintos de status, que aqui vinham brigar pelos cargos e pelos apartamentos à beira-mar.
A orla marinha foi desfigurada pela especulação imobiliária, que precisava cobrir a demanda de mineiros, nordestinos, gaúchos e até paulistas que vinham para o governo federal e aqui se instalavam. Não havia respeito pela paisagem, a linha das montanhas que morrem nas praias foi desfigurada pelos espigões. Isso no que diz respeito ao urbanismo.
No resto, o governo federal poluiu uma cidade alegre e sensual, que assumia com bom humor seus problemas e cantava como Noel Rosa no samba famoso: "Modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila!" Nosso melhor período foi ao tempo do Estado da Guanabara: a ditadura militar o assassinou.
O tráfico e o bicho não comandam o Rio. A cúpula dos bicheiros está presa há quase um ano –caso único em todo o Brasil, onde os bicheiros são mais ou menos iguais em todos os Estados. Quanto ao tráfico, o Rio serve apenas de boi de piranha ao crime. Nos morros cariocas, a polícia encontra drogas e armas (não fabricadas aqui) ao lado de cinco ou seis mil dólares. Os milhões que o tráfico rende ficam em outros lugares. Refresco de memória: o escândalo do Orçamento começou com os milhões de alfacinhas descobertas num apartamento em Brasília.

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