São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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Boca do luxo ressuscita no Itaim

THAÍS OYAMA
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Itaim virou um rendez-vouz." A frase é de Carmela Aparecida de Moura, 67, moradora há 45 anos desse bairro de classe média alta na zona sul de São Paulo. Para desespero dos seus habitantes –ciosos do metro quadrado cotado em CR$ 378 mil–, a região está se transformando na versão sofisticada da Boca do Luxo, a tradicional zona de prostituição de São Paulo.
A história começou no Café Photo –vitrine de garotas de programas de luxo– e acabou nas calçadas do bairro, hoje transformadas em passarelas de prostitutas, travestis e michês.
A explicação para o fenômeno é simples: o sucesso do Photo levou à abertura de outros dois similares nas redondezas (o 108 Executive Bar e o 154 Check Mate); o movimento da freguesia atraiu mais garotas; as casas ficaram saturadas e as prostitutas acabaram "transbordando" para as ruas.
Nas calçadas, "o número de meninas é menor, os clientes vão direto ao assunto e ninguém perde tempo tendo que beber e fazer graça", afirma "Lia", 18, estudante de letras que esperava fregueses na rua Jesuíno Arruda na sexta-feira, dentro de seu Gol 93.
Calcula-se que nas noites mais movimentadas -quintas-feiras e sábados- 200 prostitutas concentram-se no bairro, principalmente nos quarteirões entre as ruas Jesuíno Arruda, Manuel Guedes e Renato Paes de Barros.
Roupas da moda
Apesar das semelhanças –de estilo e propósito– a paisagem noturna do Itaim não parece exatamente o que, em outros pontos da cidade, se chamaria de "baixo meretrício".
As garotas que fazem ponto nas ruas do Itaim vestem roupas da moda (calça boca-de-sino, tops pretos e salto plataforma parecem uniforme) ou exibem calças jeans, tênis e jaquetas, no estilo "saí da faculdade há pouco". Os cabelos são longos e encaracolados ou curtinhos e arrepiados. Circulam nos próprios carros ou nos importados de seus clientes (Mazdas, Hondas e BMWs).
Cobram caro e negociam em dólar. As prostitutas de rua pedem cerca de US$ 100 por programa. As frequentadoras do 108 Executive Bar e do Check Mate cobram um mínimo de US$ 150 e as meninas do Photo começam a negociar a partir de US$ 300.
No centro da cidade, um programa custa em média CR$ 30 mil (US$ 46). Para evitar a concorrência mais barata e conter a imigração, as profissionais do Itaim vão à luta, literalmente. "Outro dia um cafetão chegou aqui dizendo que a menina dele ia ficar. Além de feia, era escandalosa. Colocamos os dois para correr", conta "Malu".
Para os adolescentes do bairro, visitar as garotas virou programa. Poucos contratam. Vêm para "tirar uma onda", segundo o estudante de Direito Marcelo Castro de Lima, 21, ou para "atrapalhar o serviço", segundo Lia.
O perfil dos clientes que gastam, segundo as garotas, é: homem maduro (entre 30 e 60 anos), geralmente casado (ou divorciado), ligeiramente embriagado (saiu de uma das boates) e classe média alta (empresário, executivo, profissional liberal bem-sucedido).
Com a clientela "sofisticada" e as garotas idem, a polícia reclama que fica complicado trabalhar. "A vizinhança se queixa, pede para prender todo mundo. Não dá. Tem muita universitária que faz programa aqui, meninas que estudam direito e sabem mais do que a gente sobre leis. Não é fácil", reclama o tenente Argeo, do 16º Batalhão da Polícia Militar.

LEIA MAIS
sobre o Itaim nas páginas 3 e 4

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