São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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Parreira vira 'turista acidental' na Europa

HUMBERTO SACCOMANDI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Parreira e Zagalo são os verdadeiros turistas acidentais do futebol. Afinal, uma das principais tarefas da comissão técnica da seleção, às vésperas da Copa do Mundo, é observar os jogadores selecionáveis e os possíveis adversários. Isso tem levado os dois a uma peregrinação pelo Brasil e por vários países do mundo. "Não é passeio e nem sempre é divertido", disse Parreira.
O turista acidental é principalmente aquele que viaja a serviço, que trabalha enquanto os outros se divertem. Coisas que poderiam ser pitorescas numa viagem de passeio tornam-se uma chateação. A expressão ficou famosa com o filme "O Turista Acidental", estrelado por William Hurt.
A comissão técnica tem alguma experiência de viagem. Zagalo, por exemplo, sabe que há pouco tempo para leitura e não leva livros pesados, que nem serão folheados, para alguns dias na Europa.
Já Parreira cometeu alguns pecados do turista acidental. Esqueceu no Brasil uma das principais peças de vestuário, o sobretudo, já que ele estava indo para o frio glacial na Rússia. Em Madri, cedeu à tentação da carne, comeu demais numa churrascaria à noite e quase não conseguiu dormir.
Esta última viagem de Parreira e Zagalo à Europa teve duas paradas. A primeira em Moscou, onde viram Romário jogar pelo Barcelona contra o Spartak de pé e pulando para resistir ao frio.
Em Madri, eles assistiram ao jogo entre Real Madrid e Paris Saint-Germain. Queriam ver Ricardo Gomes, Valdo e principalmente Raí, que atuam pela equipe francesa. Mas houve um contratempo imprevisível para qualquer turista acidental: o técnico do time francês, à última hora, barrou Raí.
O turista acidental também é aquele que todos invejam, pois viaja bastante e parece que se divertiu e visitou tudo. Nada mais falso, diria a comissão da seleção. Só deu para visitar o Kremlin. "Eles queriam nos levar e não dava para não ir", disse Parreira. O treinador, pintor nas horas vagas, não teve nem tempo de ir ao Museu do Prado, em Madri, que tem uma das melhores coleções de seu pintor preferido, El Greco.
Ainda em Madri, Parreira e Zagalo tiveram que se submeter a mais um dos deveres do turista acidental futebolístico: o encontro com a imprensa. Eles conversaram com a Folha sobre viagem, futebol e turismo acidental.

TV OU AO VIVO
Parreira - A diferença entre ver um jogo pela TV e ir ao campo é como ver o desfile das escolas de samba na TV e no sambódromo. Você não tem idéia da coisa. A TV situa só a bola. Você não tem uma colocação espacial da defesa, do ataque, dos 22 jogadores. Você vê uma jogada pela direita, o lateral apoiando, mas do outro lado o meia está entrando para receber a bola nas costas da defesa e a TV não está te mostrando. Não dá para ver se a defesa joga dentro da área, adiantada, na intermediária. A observação no local é insubstituível.

ESPIONAGEM
Parreira - Temos que viajar, pois não temos uma rede de espionagem. Temos pessoas trabalhando para nós aqui na Europa, assinamos todas as revistas, recebemos videoteipes, mas não é a mesma coisa. A Rússia, por exemplo, nosso primeiro adversário na Copa, joga muito pouco. Tem o mesmo problema nosso, muitos jogadores fora. E, por coincidência, as duas vezes que eles jogam, em março e abril, o Brasil também joga. Nesse caso, nós vamos mandar alguém. Mas vimos a seleção olímpica russa contra o Pelotas. Não tinha jogadores da seleção, mas dava para ver o estilo, o tipo de jogo. O treinador é assistente na seleção principal. Já sabemos como a Rússia vai jogar contra o Brasil.

TURISMO
Parreira - Essas viagens não chegam a ser um sacrifício, mas não é passeio como muita gente pensa. Faz parte do trabalho. Hoje (sexta) o avião sai à meia-noite, é desagradável. A semana que vem vou a Egito. É cansativo, pois tem que fazer escala em Londres ou Paris. Não tem vôo direto. São quase 20 horas de viagem. Vou lá, vejo o jogo e volto no dia seguinte. É bom deixar claro que eu já conheço o Egito, já passeei lá, conheço as atrações turísticas. Vou para ver os Camarões.

PIOR MOMENTO
Parreira - O frio na Rússia. Eles nos deram uma atenção enorme, mas não são bem estruturados. Pegaram a gente no aeroporto, nos colocaram num bom hotel, deixaram uma pessoa à nossa disposição, nos levaram para passear no Kremlin. Não acho que eles quisessem nos maltratar, mas nos colocaram num lugar ao aberto no estádio, com cerca de -10 graus. E em pé, pois havia gelo nas cadeiras e todos ficavam em pé. Se sentássemos, não dava pra ver nada.

ROUPAS
Parreira - Eu ainda esqueci o meu sobretudo na sala VIP do aeroporto no Brasil.
Zagalo - Mas não adiantava muito. Eu estava de minhocão, roupa de lã, dois cachecóis, chapéu, luva. Ainda assim, estava com a mão gelada o tempo todo e sem sentir os pés. Só sendo profissional para ver um jogo de futebol com essa temperatura. Normalmente você abandonaria e ficaria tomando café embaixo da arquibancada.

LEITURA DE VIAGEM
Zagalo - Olha, não dá tempo para ler não.
Parreira - Eu trouxe. Ganhei de presente do Júlio Mazzei um livro maravilhoso chamado "The Winner Within", de um técnico de basquete dos EUA, sobre a motivação que você tem que buscar, o que é lidar com um grupo, como estimular, passar motivação, como resolver problemas emocionais. Deu pra ler até agora um capítulo. Em avião não dá pra você ler. Ficam sempre servindo coisas e à noite é chato ficar com a luz acesa.

COMIDA
Parreira - Eu, felizmente, gosto de tudo e como de tudo. Assim, não tenho dificuldades nas viagens. É só não comer demais, como ontem. Nós não tínhamos comido durante o dia e a comida estava uma delícia, num restaurante frequentado pelo pessoal do Real Madrid. Mas imagine comer carne à 1h da manhã...
Zagalo - Veio uma carne tipo picanha, cortada em fatiazinhas. Você primeiro unta a chapa com uma carne gordurosa e depois frita o pedaço que quer.
Parreira - Aí nós nos empolgamos. Depois veio um creme de limão com champanhe que estava uma delícia. Essa foi a melhor parte da viagem, mas depois quase não consegui dormir.

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