São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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Poeta tem talento acadêmico e erudito

VICENTE CECHELERO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jovem carioca Alexei Bueno é um caso especial em nossas letras, autor de uma aparentemente romântica coletânea -"A Chama Inextinguível" (publicada pela Editora Nova Fronteira). Com seu espírito essencialmente aristocrático, Bueno não é estreante, tendo seus livros (dos quais se fez a presente coletânea) até então impressos em tiragens de 200 exemplares. Trata-se de um poeta acadêmico porque sua formação é erudita, clássica, dominando uma gama enorme de medidas métricas da tradição e derivados modernos. Embora superconservador, não é acadêmico no sentido pejorativo: não é kitsch em seu academicismo, se bem que muitas rimas caiam no lugar-comum.
É acadêmico no sentido platônico, do estudo (eruditio), da formação superior, genuína, agregada ao talento de uma vocação fatal. Aí estão sonetos, trípticos de sonetos formando às vezes formidáveis retábulos, epodos, baladas, odes e elegias brilhantes, haicais exatos e belos, redondilhas, alexandrinos, hexâmetros etc. etc. E nada é vazio ou gratuito no sentido da auto-afirmação juvenil: o poeta é expressivo esteticamente, em toda forma.
É difícil rastrear uma possível derivação de Alexei Bueno, pois ele lembra inúmeros poetas -Villon, Rimbaud, Pessoa, isto tomando-os ao acaso- mas, em seu talento precoce não se parece com nenhum: é autêntico na formação e informação do seu produto estético. Com a grave desvantagem: ser clássico nos dias de hoje. Os leitores mais cultos percebem que o calhamaço que é "A Chama Inextinguível", sendo Alexei Bueno bastante desconhecido, não é publicado à toa, felizmente. Além de experimentar os orientais, gregos, latinos, renascentistas, românticos, simbolistas, surrealistas, há "uma marca", por assim dizer, um traço: Poe, Pessanha, Pessoa presentes em muitos momentos.
O virtuosismo de Alexei Bueno é tal que, diante da sua poesia, a maioria dos nossos atuais "modernos" ressaltam ainda mais em seu primitivismo vanguardeiro. Contudo, o que acontece na poesia acadêmica, assim como na pintura e na música, é o exercício disciplinar severo a que são submetidos os seus apreciadores: Pavarotti e Maria Lúcia Goddoy cansam com seus floreios, vibratos, tremolos e altissonância, do mesmo modo que Bueno cansa com seus ritmos, seu formalismo levado a um extremo que quase cheira a arrogância diante da modernidade.
As seções "Livro de Haicais" e "Poemas Gregos" oferecem ar, respiradouro a esse sufoco técnico e formalista das castigantes rimas e do labirinto dos compassos métricos, redundando no melhor desse poeta, onde ele pode subir "livre". Afinal de contas, ninguém, de juízo são e isento de inveja e/ou idiossincrasia, pode negar que "A Chama Inextinguível" -apesar do título kitsch e do formalismo absoluto e abusivo- não seja obra de um magnífico poeta.

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