São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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Alexei Bueno faz poesia fúnebre e anacrônica

CARLOS ÁVILA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O poeta carioca Alexei Bueno, embora com apenas 30 anos, já é dono de uma produção volumosa onde se contam os títulos "As Escadas da Torre" (1984), "Poemas Gregos" (1985), "Livro de Haicais" e "A Decomposição de Johann Sebastian Bach" (ambos de 1989). Todos estes livros foram reunidos, ano passado, no volume "A Chama Inextinguível". Agora, pela mesma editora, o autor lança este "Lucernário", com 55 poemas, mostrando que tem largo fôlego verbal.
Estranho desde o título e a capa (esta reproduz uma "dança fúnebre" do afresco do túmulo de Ruvo, do séc. 5 a.C. e que se encontra no Museu Nacional de Nápoles), o último livro de Alexei Bueno parece fora do tempo e do espaço, fora da "corrente viva" da poesia brasileira.
Curioso é como um criador jovem (e já maduro), culto e bem informado, dominando bem métrica, ritmo e rima –ou seja, apresenta-se como um bom artesão da técnica poética, o que é raro hoje em dia– opte por realizar um trabalho de feição tão anacrônica nesta reta final do século, quando outros companheiros de ofício procuram, premidos pela pressão vertiginosa dos acontecimentos num mundo violento e dominado nauseantemente pela tecnologia, uma forma mais objetiva e direta de escrever seus textos.
Talvez Alexei Bueno esteja naquela do Drummond de "Claro Enigma", quando cita como epígrafe Valéry: "Les événements m'ennuient" (os acontecimentos me chateiam); talvez (e nisso reside uma dose de coragem) ele procure propositalmente estar fora do tempo atual, pouco ou nada preocupado com o que aconteceu à sua volta; talvez queira restaurar algo perdido, um charme qualquer que a poesia perdeu nas últimas décadas, depois de passar por experiências dessacralizantes e desmistificadoras que levaram ao entendimento da palavra como coisa e do poema como objeto verbal.
No poema "Transcendência" (o título é sintomático!) Alexei escreve: "Tudo se vai ritmado/Num mesmo canto antigo." Os versos apontam numa direção museológica (ou seria arqueológica?) que parece ser o motivo condutor do poeta. Além do "canto antigo", parte deste volume de poemas de Alexei Bueno tem um tom fúnebre onde o vocabulário, algo parnasiano, parece escolhido a dedo: jacente, noite, fantasma, hipogeu, sombra, restos, alma, "dias defuntos", "hálitos de idos artistas", tumba, espólio etc. Esta linguagem de fogo-fátuo está perpassada também de filosofia, história e alguma mitologia: "A turba assopra os fustes fumegantes/Do templo de Artemis. O arauto clama/Que foi um louco atrás da alada Fama/Que à noite ateou as chamas gargalhantes" ("Heróstrato"). Parece ou não inacreditável que um poeta escreva hoje versos como os citados aqui?
Em meio a este verdadeiro festival retórico, aqui e ali a poesia de Alexei "respira", ou pelo menos tenta respirar, já que o autor está vivo. Há alguns versos, estrofes e mesmo poemas parcialmente salváveis. Exemplos? "Todo o ruído passa. O ruído é muitos" ("Isolamento") ou este verso final: "E a morte morre também" ("Os Eternos"). Os poemas "Os Eternos", "Ser como o Estilista" e "Isto", os de melhor fatura em todo o livro, mostram que Alexei Bueno poderia ter seguido outra direção textual, mas ele preferiu, infelizmente, "a dança (fúnebre) do intelecto entre as palavras".

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