São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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Paglia diz por que adora o pênis

DO "THE INDEPENDENT"

Camille Paglia, feminista radical, lésbica e maior oponente do feminismo politicamente correto, acaba de rodar um filme em louvor ao órgão sexual masculino. Nesta entrevista, ela explica sua adoração do falo. Fala do tratamento decoroso e envergonhado dedicado pela arte ocidental ao órgão sexual masculino e elogia o fotógrafo Robert Mapplethorpe, o primeiro artista, segundo ela, a dar, literalmente, a dimensão devida ao pênis: grande. Ou, pelo menos, maior do que aqueles representados por gregos antigos e renascentistas.

Pergunta - Por que você fez "Without Walls - The Penis Unsheathed" (Sem Muros - o Pênis Desembainhado)?
Paglia - Mulheres que não conseguem lidar com homens são simplesmente imaturas, são adolescentes. Estou cansada disso. Estou tentando trazer um novo tipo de sofisticação sexual ao feminismo, para permitir que mesmo mulheres abertamente lésbicas, como eu, possam encarar o pênis como algo excitante. É natural para qualquer mulher, lésbica ou não, encarar o pênis como excitante; seu corpo responde naturalmente a ele.
Há um puritanismo no feminismo anglo-americano. Tudo gira em torno da trivialização do homem, da diminuição e castração dele. As pessoas ficam furiosas comigo. Elas dizem: "Não é verdade, não somos fóbicas." Eu respondo: "São sim. Vocês podem ter vidas sexuais movimentadas com seus maridos e amantes, mas quando se trata de sua estúpida ideologia, ela é completamente sanitizada. Meu feminismo é baseado em homens fortes, mulheres fortes. Não é sobre mulheres fortes, homens castrados.
Não acredito que haja algo chamado pornografia. Não há nada degradante ou humilhante na exibição aberta de genitais ou de qualquer ato sexual. No momento, estou numa revista chamada "Playguy". O texto é sobre um vídeo que fiz com a drag queen Glenda Orgasm. Fabuloso. Página após página, os mais belos garotos, com os mais belos pênis. Homens homossexuais têm tanto senso de sexualidade, tanto senso de erotismo. É tão deprimente a ausência desta qualidade entre as lésbicas. O tipo de imagens que elas produzem é aborrecido e banal.
Há uma falta de sensualidade em todo o discurso feminista. Tenho grande consciência da gentileza excessiva, do sabor de pão branco de muito do discurso feminista. É isso que estou atacando. O pênis é perfeito, porque causa bastante desconforto nas pessoas. Se você não pode lidar com a existência do pênis, você não é pró-sexo.
Pergunta - Mas você não reage pessoalmente ao pênis?
Paglia - O problema é o seguinte. Cresci nos anos 50, que era uma época muito conformista, e eu tinha, sem dúvida, uma disfunção de gênero maciça. Minha personalidade agressiva estava completamente fora de sincronia com o que era esperado de uma garotinha naquele tempo. Eu também tinha atração por mulheres desde bem pequena. Quando a puberdade chegou, meu corpo se transformou. Bum! Comecei a me sentir atraída por criaturas que não podia suportar.
Eu ainda não me dou com homens como parceiros eróticos, mas o ponto é que meu corpo passou a ser atraído por corpos masculinos. Eu posso me harmonizar perfeitamente com homens de um ponto de vista físico. Mas não me apaixono por eles; não me envolvo emocionalmente. Sou uma das criaturas mutantes mais estranhas da face da Terra.
Estamos tentando forçar o feminismo anglo-americano a se confrontar com imagens, sem toda essa pregação, estas tentativas de corte e censura. A melhor forma de fazê-lo é com um pênis. Forcem o pênis! A maneira como os homens vêem o sexo é o sexo. O pênis é o símbolo definitivo da verdadeira liberação feminista para o século 21.
Os seguidores de Michel Foucault argumentam que os homens e as mulheres são exatamente a mesma coisa, que somos tabula rasa, que o gênero é dado pela sociedade. Isso é ridículo. Há uma enorme diferença. Toda a sua vida será diferente se você tiver uma coisa pendurada entre as pernas. para mim não dá. Estou cansada desse monte de feministas brancas de classe média sentadinhas por aí, dizendo que não faz diferença alguma se uma pessoa tem um longo dedo de carne entre as pernas. Elas me deixam doente.
Pergunta - Qual é sua representação favorita de um pênis?
Paglia - Os gregos antigos achavam que um pênis grande era sinal de animalidade, de bestialidade. O homem ficava embaraçado de ter um pênis grande, e desejava um pênis pequeno, bem conformado, como o de um garoto. Por esse motivo, os nus gregos sempre têm pênis pequenos. Além disso, representar um pênis longo, pendente, em seu tamanho real acaba com as proporções. As grandes esculturas clássicas gregas são sempre talhadas pela medida áurea –a proporção da cabeça em relação ao resto do corpo.
No período medieval você não encontra um belo nu. Se houver algum nu, é de Adão e Eva –horrorosos, tristes, a mortificação da carne, a feiúra da carne. A Renascença, a começar pelo "David", simplesmente imitava o estilo clássico. É uma convenção que atravessa o século 19, até o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Um pênis de tamanho convencional parece bastante estranho para nós. Parece vulgar num contexto de arte mais sofisticada, porque fomos treinados nessa tradição de tamanho reduzido.
Você pode encontrar um sátiro –metade bode, metade humano, uma criatura dos bosques– com um grande pênis e uma ereção. Ele geralmente aponta para uma ninfa ou um hermafrodita. Mas sempre é considerado vulgar, cômico, pornográfico, nunca parte da tradição da arte mais elevada. Parte da comédia de Aristófanes é colocar figuras no palco com falos de couro gigantes, recheados de serragem, com o qual eles batem na cabeça um do outro. Isso era considerado incrivelmente engraçado.
Quando se vê um corpo bastante musculoso de um homem que levanta pesos, há aquela coisa pendurada, aquele bolsa de carne solta. Mesmo quando ele têm uma ereção, as bolas continuam penduradas. É a única área de carne desestruturada da figura masculina. A maneira como eles lidam com isso como uma questão visual é simplesmente encolhê-lo.
Mapplethorpe foi provavelmente o primeiro a conseguir colocar a imagem real do pênis em seu verdadeiro tamanho, num contexto artístico. Tenho de dizer que sua representação do pênis é minha favorita, por que ele não mente, não está tentando encolhê-lo até uma proporção "própria".
Pergunta - Você sofre de inveja do pênis?
Paglia - Concordo com o que Madonna diz naquele livro horrível, "Sex". Ela não tem inveja do pênis, ela não quer um pinto, ela diz: "Eu já tenho um pinto em minha mente." Você teria que andar por aí o dia inteiro com aquela coisa balançando.
Pergunta - Qual é sua visão do caso Bobbitt?
Paglia - Durante anos eu carreguei comigo uma faca. O que está implicado aí é que se alguém mexe comigo eu vou esfaqueá-lo ou cortá-lo. Uma de minhas fotos mais famosas foi publicada há dois anos na revista "People" –nela apareço com uma faca italiana. Há outra foto minha com uma espada à frente do Museu de Arte da Filadéfia.
Todas essas imagens implicavam o "amazonismo" que eu acredito ser necessário à mulher contemporânea. Os homens tem de começar a entender o poder que as mulheres tem em todo encontro sexual, o poder de cortar. Assim, encaro Lorena Bobbitt como uma heroína. A mesmo tempo, ela cometeu um ato criminoso, e acho que ela deveria ser condenada e ir para a prisão. É absolutamente ridículo que seu marido tenha sido absolvido da acusação de agressão, e no entanto, em seu julgamento, todos agiam como se ele fosse culpado. Não aceito essa história de síndrome pós-traumática que a colocou num estado insano quando ela cortou o pênis dele.
Se ela o tivesse cortado quando ele a estivesse atacando, ou enquanto brigavam, eu a teria aplaudido. Mas ela foi covarde e o atacou quando ele dormia. Eu a teria admirado se ela tivesse dito: "Sim, eu fiz, foi um ponto para as mulheres. Sou culpada e vou para a prisão." Se ela tivesse sido forte e assumido a responsabilidade pelo que fez em vez de dizer: "Fui apenas uma vítima."

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