São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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O incerto princípio da incerteza

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Físicos ainda pisam em ovos para explicar por que átomos se comportam ora como partículas, ora como ondas, nunca as duas coisas ao mesmo tempo. Teoricamente é impossível saber com certeza onde está uma partícula e qual sua velocidade neste instante.
Normalmente se diz que isso explica por que partícula e onda se excluem mutuamente. Quando se faz o átomo agir como partícula, não se consegue determinar sua velocidade. Quando se faz o átomo agir como onda, não se determina sua posição. Contestada há três anos, essa explicação ganha fôlego novamente.
"O princípio da incerteza é um dos princípios fundamentais da mecânica quântica. Foi elaborado por Werner Heisenberg e diz basicamente que a posição e o momento, ou a velocidade, de uma partícula não podem ser ambos conhecidos com precisão no mesmo instante", diz Daniel Walls, da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), que publicou em fevereiro na revista "Nature" um artigo sobre o experimento clássico da dupla fenda, usado para enxergar a dualidade onda-partícula.
O experimento estudado por Walls é simples. Um feixe de átomos é dirigido para um anteparo com duas fendas. Do outro lado, uma tela detecta a presença dos átomos.
Normalmente a tela mostra várias marcas que formam uma interferência, indicando que o feixe se propagou em todas as direções e se comportou como onda. Fica impossível decidir qual das fendas foi atravessada.
Mas, ao se colocarem detectores perto das fendas para saber o caminho dos átomos, o padrão na tela muda automaticamente: ela indica precisamente a fenda atravessada, pois o feixe passa a se comportar como se fosse constituído por partículas.
O que os cientistas discutem é se essa mudança de comportamento vale para qualquer observação ou se é devida à intervenção dos equipamentos de medição na experiência.
Há dois anos, a mesma "Nature" publicava artigo em que pesquisadores dos EUA e da Alemanha diziam ser possível, através de detectores hipersensíveis, saber o caminho seguido pelos átomos sem perturbar seu comportamento ondulatório. Não conseguiram isso em laboratório, mas diziam que era por deficiência nos equipamentos, não por uma propriedade física inerente a qualquer observação.
"Obtivemos um experimento tão delicado que não perturba o padrão de interferência", escreveu na época Marian Scully, hoje na Universidade A&M do Texas. "O desaparecimento da interferência que ocorre ao conseguirmos informações sobre a trajetória se origina da relação entre o aparelho de medição e o sistema que está sendo observado. O princípio da incerteza não desempenha aqui nenhum papel."
No experimento que Scully sugeriu, antes de cada fenda há uma cavidade. "Quando os átomos entram em uma das cavidades, eles perdem um fóton –partícula de luz– para a cavidade. Para ver qual caminho ele seguiu, bastaria olhar na cavidade e ver se nela há um fóton", explica Walls.
Mas, segundo ele, a emissão do fóton implica uma mudança na energia e no momento do átomo. Em seu artigo, porém, Scully afirma com todas as letras: "Não há transferência nítida de momento para o átomo durante a interação com a cavidade."
Walls refuta: "Ao determinarmos o caminho que o átomo seguiu, ele se comporta como uma partícula, pois o 'impulso' de momento que adquire ao emitir o fóton interfere em seu comportamento de onda".
Indiferentes ao debate, passam os átomos... às vezes como onda, outras como partícula.

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