São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Iranianos, em silêncio, sonham com um novo xá

JACK KELLEY
DO "USA TODAY", DE ARLINGTON

Em Teerã, bandeiras dos EUA, que antes eram usadas como capachos, agora são ostentadas em roupas "made in USA". Pichações proclamando "morte aos EUA" estão sendo repintadas com slogans dizendo "L.A. Lakers nº 1". E os gritos de "Satanás, Satanás, EUA Satanás" estão sendo substituídos por surpreendentes palavras de reconciliação.
Apesar disso, seu governo continua sendo refém dos aiatolás radicais, da linha dura islâmica. Evocando simplesmente o nome de Deus, os aiatolás sufocam as mudanças e ordenam a prisão –ou a morte– de seus opositores.
Representantes norte-americanos afirmam que os aiatolás também estão por trás do financiamento de grupos terroristas e que eles estão incentivando o governo a desenvolver armas nucleares. "O Irã quer mudar de direção, mas o governo se vê restrito pelos defensores da linha dura" diz Richard Herrmann, ex-consultor do Departamento de Estado para assuntos referentes ao Irã. "A tensão está aumentando."
A economia iraniana está cambaleando desde 1980, quando os EUA romperam relações em reação à tomada de 52 reféns norte-americanos. O país também está sofrendo os efeitos da abordagem estilo "perestroika persa" do presidente Hashemi Rafsanjani dos problemas econômicos nacionais, cada vez mais graves.
As cifras recentes são indicativas: cerca de dois terços da população, de 60 milhões de pessoas, vive no nível de pobreza –150 mil rials (US$ 100) anuais– ou abaixo dele.
O Irã, com sua reputação de ser um dos países mais islâmicos do mundo, está perdendo seu fervor religioso e se ocidentalizando, segundo o ministro de Orientação Islâmica, Ali Larijani. Apenas 20% dos iranianos se dizem religiosos.
Quase uma em cada quatro casas em Teerã possui um videocassete e tem acesso a fitas de vídeo obtidas no mercado negro, que variam desde "E.T." até o pornô "Emmanuelle". Milhares de casas têm antenas parabólicas que lhes dão acesso à MTV e à CNN, e milhões de fitas e CDs tocam Michael Jackson, Depeche Mode e Iron Maiden em carros ou festas particulares. "Não dá para tomar Coca-Cola, fumar Winston ou Marlboro e gritar 'abaixo os EUA"', diz um jornalista iraniano.
Os aiatolás de linha dura, temendo pelo futuro de sua revolução, estão reagindo cada vez mais energicamente. A polícia religiosa está prendendo os opositores do governo e os executando ou torturando –com choques elétricos, arrancando seus olhos ou cortando fora seus órgãos genitais. Segundo a Anistia Internacional, 330 pessoas foram executadas em 1992, das quais 140 prisioneiros políticos.
Ninguém no Irã prevê um golpe, porque os aiatolás governam pelo medo. Os grupos de oposição são fragmentados demais para trabalharem em conjunto. "As pessoas estão fartas de tudo, mas não sabem o que fazer", diz o iraniano Sharough Akhavi, especialista em Oriente Médio da Universidade da Carolina do Sul.
"Todo mundo espera a chegada de um segundo xá." "Ninguém odeia os EUA" disse uma estudante de 14 anos, Maryam. "Como podemos odiar um país que nos deu Michael Jackson e Magic Johnson?"

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: EUA ferem o Gatt ao usar a Super-310
Próximo Texto: Franceses temem o controle da mídia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.