São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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EUA ferem o Gatt ao usar a Super-310

DO "LE MONDE"

O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, exumou uma arma comercial forte ao restabelecer, na quinta-feira passada, por prazo de dois anos, as disposições da lei norte-americana sobre comércio conhecida como Super-301. O objetivo é tentar reduzir o gigantesco superávit do Japão no comércio com os EUA.
Aplicada uma primeira vez entre 1988 e 1990, para forçar alguns parceiros comerciais de Washington a abrir seus mercados aos produtos norte-americanos, a Super-301 deu provas de sua eficácia, especialmente contra o Japão, que já estava na mira dos EUA.
Recomendado pelos líderes do Congresso, seu restabelecimento, por decreto presidencial, vai agradar a opinião pública norte-americana, sensível a uma medida que, diz Clinton, "criará empregos".
A escalada decidida por Washington contra Tóquio não deixa, por isso, de parecer inoportuna. Ela cria um impasse sobre o estado de saúde muito desigual das duas maiores potências econômicas mundiais.
O forte crescimento dos EUA estimula as importações, enquanto que o Japão, confrontado com uma recessão de dimensões desconhecidas desde o fim da Segunda Guerra Mundial, freia suas importações. Uma parte do déficit norte-americano pode ser atribuído a essa falta conjuntural de sincronia.
Tampouco é oportuno da parte de Clinton jogar contra um aliado, o primeiro-ministro japonês, Morihiro Hosokawa, já seriamente enfraquecido no plano interno. E isso num momento em que o governo japonês, contrariando uma parte do ministério, se empenha seriamente em abrir o mercado à concorrência estrangeira.
Num discurso ao Parlamento, na sexta-feira, Hosokawa voltou a prometer uma agenda econômica centrada na desregulamentação do mercado, que, disse, vai favorecer o consumidor japonês, encorajar as importações e encolher o politicamente explosivo superávit comercial. O pacote deve ficar pronto até o final do mês. O apoio externo reforçaria o poder político de Hosokawa para implementar sua ambiciosa agenda.
O Japão não é o único país que deve se inquietar com os gestos norte-americanos. Isso se aplica também ao México e ao Canadá, de agora em diante ligados a Washington por um acordo de livre comércio, o Nafta. Isso se aplica sobretudo à Europa dos Doze.
Além do fato de que os norte-americanos venderiam mais ao Japão, em detrimento da União Européia, é o edifício laboriosamente construído graças ao Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), quando da negociação da Rodada Uruguai, que parece estar ameaçado.
Os países da União Européia –com a França à sua frente– insistiram sobre o avanço importante representado pela criação de uma Organização Mundial do Comércio (OMC), em substituição ao próprio Gatt.
Encarregada de resolver futuros conflitos comerciais, essa instância deve marcar o fim do "bilateralismo" –e, portanto, privar os Estados Unidos do direito de imporem sua lei a seus parceiros menos fortes. A um mês e meio da assinatura oficial da ata final da Rodada Uruguai, o restabelecimento da Super-301 prova que Washington pretende conservar toda a sua liberdade de ação.

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