São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Arafat quer tropas da ONU nos territórios

DO "LIBÉRATION", EM TÚNIS

Iasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), recebeu os jornalistas do "Libération" em sua casa em Túnis na terça-feira à noite, cinco dias após o massacre de Hebron.
*
Pergunta - A matança em Hebron e suas consequências levaram o Conselho de Segurança da ONU a se reunir. O que o sr. espera disso?
Arafat - Estou desolado por constatar que os colonos que tomaram parte nesse horrível massacre se beneficiaram do apoio e da cobertura de unidades do Exército israelense. Temos provas disso. Esperamos que o Conselho de Segurança tome medidas para garantir a segurança de nosso povo nos territórios ocupados. É essencial devolver a confiança ao nosso povo, que perdeu todas as esperanças num processo de paz que perdeu toda a credibilidade.
Pergunta - O sr. afirma dispor de provas do envolvimento dos militares. Pode nos dizer mais?
Arafat - Aquela mesquita está inteiramente sob controle do Exército. Tenho o direito de perguntar como dez ou doze homens armados puderam entrar na mesquita apesar dos postos militares israelenses e dos soldados em todas as portas. Algumas das vítimas foram abatidas fora da mesquita, quando tentavam fugir. Meia hora depois do ataque, quando eu falava com pessoas no hospital Ahli, de Hebron, meu interlocutor me disse: "Escute, eles estão atirando contra o hospital", e eu consegui ouvir os tiros. Eu relatei tudo ao (premiê israelenses, Yitzhak) Rabin quando ele me telefonou.
Pergunta - O que ele disse?
Arafat - Que se tratava de um indivíduo isolado. Ele me explicou que havia um inquérito instalado. Mas esse inquérito lembra uma montanha que pariu um ratinho.
Pergunta - Qual é, na sua opinião, o nível de responsabilidade de Israel nesse atentado?
Arafat - Eu questiono apenas determinadas unidades do Exército. Mas o governo deve assumir suas responsabilidades. Quem forneceu armas aos colonos? Como eles puderam participar de patrulhas juntamente com o Exército? São forças de ocupação e têm total responsabilidade.
Pergunta - Que forma deve assumir a proteção internacional? O sr. aprova a proposta francesa de enviar observadores da ONU ao local?
Arafat - A França, como nós, é a favor do envio de uma força multinacional. Os israelenses não querem as Nações Unidas.
Pergunta - Então o envio de observadores civis não lhe parece suficiente?
Arafat - Não. Civis não poderão se proteger contra homens armados. Não foram enviados civis a Angola. E na ex-Iugoslávia? E no Camboja? E no sul do Líbano?
Pergunta - Além do desarmamento dos colonos, o sr. tem exigências sobre os assentamentos?
Arafat - Foi Rabin quem falou sobre esse grupo fanático, de um assentamento que lhe é próprio, repleto de armas, onde eles treinam para novos crimes. Será que se vai permitir que continuem?
Pergunta - Então o sr. exige o desmantelamento desse tipo de assentamento?
Arafat - Será preciso chegar a isso, de uma maneira ou de outra. Essas pessoas são bombas-relógio. Pergunta - O presidente Bill Clinton o convidou a dar continuidade às negociações em Washington. O sr. aceitou, em princípio. O que será preciso para colocar isso em prática?
Arafat - Convém saudar a rapidez da reação do presidente Clinton. Mas precisamos de tempo. Precisamos de gestos concretos para convencer nosso povo de que a negociação não significa mais opressão e outros massacres.
Pergunta - Apesar de tudo, o quadro geral do acordo e seu calendário continuam válidos?
Arafat - A aplicação deveria ter começado em 13 de dezembro. Passaram-se 80 dias desde então.
Pergunta - Rabin disse que havia pontos a esclarecer...
Arafat - Esclarecer o que? Estamos há meses discutindo os mínimos detalhes da segurança dos colonos! E hoje descobrimos que esses colonos são criminosos e que sua "segurança" equivale a proteger e encorajar criminosos.
Pergunta - Mas os senhores também discutiram medidas de segurança para os palestinos...
Arafat - Do lado israelense, isso se limitou a um regateio constante do número de policiais palestinos. Quantos são necessários, 5.000, 6.000? É uma vergonha.
Pergunta - Sua opinião sobre Rabin mudou com o massacre?
Arafat - Sou um homem pragmático. Eu não trato em função de sentimentos ou de slogans, mas baseado em fatos e realidades.
Pergunta - Se o presidente Clinton o convidar pessoalmente a Washington, o sr. aceitará?
Arafat - Ninguém pode recusar um convite dele. Se ele me convidar, aceitarei. Mas não será para mais uma sessão de fotos.
Pergunta - O sr. acha que parte, pelo menos, da solução se encontra em Washington?
Arafat - Sim. Desde a assinatura da "declaração de princípios", os americanos satisfizeram todos os pedidos israelenses. O que eles nos ofereceram? Promessas. Durante as negociações, nos diziam que não podíamos esperar nada enquanto um acordo não fosse concretizado. Por que não o mesmo discurso para os israelenses?
Pergunta - Apesar disso, o que o sr. espera dos Estados Unidos?
Arafat - Não sou sonhador. Veremos. Não se deve esquecer que o processo de paz é vital para o mundo todo, não apenas para nós.
Pergunta - Depois do massacre de Hebron, o sr. manteve contatos com o governo francês?
Arafat - Recebi uma carta calorosa do presidente Mitterrand e outra do ministro do Exterior.
Pergunta - O sr. deseja que a França participe da força multinacional que o sr. pede?
Arafat - Sim. Já iniciei discussões sobre o assunto. Mas precisamos esperar o Conselho de Segurança deixar as coisas claras.
Pergunta - Em setembro, o sr. falava da "paz dos bravos". O sr. ainda acredita nela?
Arafat - Depende do outro lado, não de mim. Mas existe em Israel um De Gaulle, um De Klerk?.
Pergunta - Dizia-se que a paz era irreversível. Ainda é?
Arafat - Assim espero. Mas são necessários dois para dançar tango.Christophe Boltanski, Marc Kravetz e Patrick Sabatier)

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Mandela nega alterações na data da eleição
Próximo Texto: Colégio argelino se refugia na Espanha
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.