São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
Próximo Texto | Índice

Adesão com tensão

A primeira semana de vida da URV passou sem grandes sustos, mas com tensões crescentes. Nada comparável ao pânico que se seguiu a atos de força como o Plano Collor, mas foram dias ainda inquietantemente confusos. O plano depende de um teste fundamental, a adesão voluntária à URV, cujo resultado ainda não é convincente.
A própria medida provisória que instituiu a URV parece afinal menos eficiente do que deveria ser para induzir essa adesão. Obriga, por exemplo, as empresas a continuarem faturando em cruzeiros reais até o surgimento do real. E cria desconforto, por exemplo em seu artigo 7º, ao sugerir que o governo se reserva o direito de arbitrar futuras conversões preservando o "equilíbrio econômico-financeiro" dos contratos –um conceito vago.
A mesma MP estabelece critérios de apuração de aumentos abusivos de preços (comparação com preços médios vigentes no último quadrimestre de 1993), deixando no ar a suspeita de que a liberdade de preços não será afinal ampla e irrestrita. Declarações ambíguas de autoridades, como as do assessor de preços da Fazenda, Milton Dallari, espraiaram também suspeitas de que os preços, convertidos à URV, seriam imutáveis por um ano. Sem liberdade de preços esvazia-se o conceito de "adesão voluntária".
Na prática, porém, o maior problema tem sido a própria inflação em cruzeiros reais. Preços subindo mais rapidamente a partir de agora, em moeda velha, aumentam o risco de inflação na moeda nova. Nessa situação todos preferem esperar em vez de ingressar num regime que proíbe, em contratos, reajustes em prazos inferiores a um ano.
A mesma inflação alta na moeda velha e possível contaminação da moeda nova levam os sindicatos e os políticos no Congresso a querer desde já incluir nas regras do jogo algum mecanismo protetor adicional, como o gatilho salarial. Ou seja, acumulada uma inflação de 5% ou 10% na nova moeda, seriam automaticamente disparados reajustes salariais. Seria ameaçar desde já com a falência um plano cuja meta afinal é desindexar a economia.
Há também preocupações de ordem fiscal que deveriam ter sido superadas na primeira etapa do plano. A missão do FMI, como revelou esta Folha, tem questionado as estimativas de receita divulgadas pelo governo. Algumas previsões de aumento de arrecadação, como as relativas a IOF, IPMF e redução de prazos de pagamento, faziam sentido num ambiente de inflação elevada. Se a inflação cair, essas receitas caem. Ressurgiria o déficit, minando as bases mais fundamentais de uma autêntica estabilização.
Diante das evidências, a adesão ainda precária à URV não chega a surpreender. Resta agora saber se as autoridades econômicas terão a paciência necessária, não para esperar por soluções espontâneas ou mágicas, mas para dedicar ainda mais tempo e energia à busca de soluções legítimas e duradouras.

Próximo Texto: Ainda falta o segundo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.