São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 1994
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Previdência perde US$ 2,75 bi por mês

LUIZ CAVERSAN
DA SUCURSAL DO RIO

O mercado de trabalho no Brasil é um caos de múltiplas implicações e o mapa elaborado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a partir da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio deixa isso bem claro. Os dados relativos à Previdência Social são dos que mais assustam: simplesmente 49,9% do total de pessoas que trabalham no país não contribuem com a Previdência. Ou seja, há um total de 31 milhões de pessoas que, assim como os demais brasileiros, têm direito a utilizar a rede de assistência pública (e que, portanto, oneram o governo), e que nada depositam nos cofres públicos.
Vale a pena ressaltar: são pessoas que, bem ou mal, se encontram no mercado de trabalho, podendo estar em um emprego de fato, revendendo mercadorias, prestando serviços etc. Mas que pesam no serviço assistencial do governo sem dar qualquer tipo de retorno para isso. Nesse aspecto somam-se, portanto, aos dois milhões de desempregados e aos 82 milhões de pessoas não-ativas (idosos, crianças e inválidos) para gerar o tradicional déficit previdenciário e no mínimo dificultar o fluxo de investimentos no setor.
Os 31 milhões de não-contribuintes significam muito mais que 21% da população do país ou 48% da população economicamente ativa. Representam para os cofres públicos uma evasão de divisas que pode chegar à casa dos trilhões de cruzeiros reais.
Perdas
Veja este cálculo: suponha que os 31 milhões de pessoas ocupadas que não contribuem com a Previdência ganhem, na média mensal, 4,1 salários mínimos (a média nacional). Se o salário mínimo ficar, como está sendo projetado para o fim do mês, em torno dos CR$ 58 mil, este contingente de pessoas movimentaria mensalmente algo em torno de CR$ 7,3 trilhões. Calcule 27% (percentual médio para esta faixa de salário a ser recolhida pelo empregado e pelo empregador à Previdência). Total aproximado: CR$ 1,9 trilhão ou cerca de US$ 2,75 bilhões. Ou seja: mais ou menos a metade do que o governo conseguiu arrecadar até agora com o programa de privatizações, que já vendeu, entre outras coisas, todo o parque siderúrgico do país.
Durante muitos anos se disse que o Brasil era um país de vocação agrícola. Pelo menos quanto a distorções no mercado de trabalho a afirmação é verdadeira. Porque quase todos os trabalhadores rurais consultados pelo IBGE (92,5%) afirmaram que não contribuem com a Previdência. Nas áreas urbanas, estes números ficam em nada modestos 37,7%.
Segundo o detalhamento feito pelo IBGE, a situação mais grave em relação à Previdência encontra-se no Nordeste do país. O "campeão" em trabalhadores –e, relativamente, de empregadores– que não pagam é o Maranhão: 82,9% da população ocupada.
Mas os dados do principal Estado do país e onde se encontra o menor número de não-contribuintes também são assustadores: nada menos que 29,1% dos trabalhadores de São Paulo não dão um cruzeiro real à Previdência.
Sem carteira
Outro indicador que reflete a instabilidade causada pela precariedade do mercado de trabalho nacional refere-se a um item até emblemático. Trata-se da Carteira de Trabalho. Ter a chamada "Carteira de Trabalho assinada", ou seja, o registro profissional, sempre foi questão de honra para o trabalhador, verdadeiro capítulo no processo de educação dos filhos das famílias não-abastadas do país. Pois os números rejeitam esta tradição, uma vez que 14% da população empregada não dispõem de tal documento, contra 23% que têm o registro oficial de trabalho.
Ainda uma vez, as situações mais graves estão no Nordeste. O primeiro lugar dentre as regiões metropolitanas fica com Fortaleza, com 37% trabalhando sem registro. Mesmo nas regiões teoricamente menos prejudicadas (localizadas no sul do país), os números são desalentadores: Curitiba e Porto Alegre têm o menor número de trabalhadores que não possuem a carteira assinada e ainda assim alcançam incômodos 16%.
Agora, um dado para a reflexão dos sociólogos: das pessoas que não possuem um emprego formal, apenas um pouco mais da metade (51,3%) gostaria de ter sua situação regularizada e conseguir um trabalho com carteira assinada.(LC)

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