São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 1994
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Da criação de galinhas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Devemos louvar o desprendimento das lideranças políticas do país. Aparecem na TV e na imprensa, declaram que a Presidência da República não passa pelos respectivos projetos de vida. Não chegam a confessar que gostariam de largar tudo para se dedicarem à família e à criação de galinhas. Contudo, aceitam colocar o próprio nome à disposição dos partidos.
O único que tem a ver com um projeto rural parece que é Brizola, mas o negócio dele é ovelha. As galinhas estão em baixa. Antigamente, era comum o funcionário, o jornalista, o médico, o pequeno empresário de vez em quando ameaçar uma criação de galinhas em algum canto.
Em 1930, com os cavalos gaúchos amarrados no obelisco da av. Rio Branco, botaram fogo no prédio onde funcionava "O Paiz" –jornal em que meu pai ganhava o leite das crianças, uma das quais era eu. As redações ficaram fechadas àqueles que haviam trabalhado nos jornais malditos ("A Crítica" do pai do Nelson Rodrigues foi empastelada, os Rodrigues passaram necessidades, o livro do Ruy Castro narra magistralmente esse período de caça às bruxas).
Ao contrário dos Rodrigues, os Conys não eram donos de jornal, a opção que meu pai escolheu foi arranjar uma enorme chácara na Boca do Mato e ali criar galinhas. Ele conseguiu realizar, antecipadamente, a metáfora mais cara da profissão. Quando comecei a trabalhar, uns 20 anos mais tarde, todos os jornalistas (menos eu) ao menos uma vez por mês expressavam a possibilidade de um dia largarem tudo para criar galinhas em Jacarepaguá –não sei por que, para esse fim específico, Jacarepaguá era o bairro preferido por nove entre dez profissionais daquele tempo.
Examino atentamente a cara do FHC, do Quércia, do Maluf, do ACM, do Lula, nenhum deles leva jeito de criador de galinhas. Eles não cultivam ambições, mas não fogem das responsabilidades da cidadania: humildemente submetem os próprios nomes à consideração dos partidos e das alianças que ameaçam se formar. Bem ou mal, apesar das vicissitudes que conhecemos, o Brasil ainda não é um galinheiro. Aos poucos pode chegar lá.

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