São Paulo, terça-feira, 15 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Diferentes enfoques de políticas agrícolas

HUGO DE SOUZA DIAS; MARIA AUXILIADORA DE CARVALHO

HUGO DE SOUZA DIAS
MARIA AUXILIADORA DE CARVALHO
Há muitas razões para o Estado intervir na agricultura. No caso dos EUA, por exemplo, as políticas agrícolas visam primordialmente proteger a renda do agricultor de situações econômicas adversas. Complementarmente, um cuidado especial é dado para a estabilização dos mercados, segurança alimentar e preservação do tradicional sistema "family farming".
Entre os europeus integrantes da União Européia (UE), a segurança alimentar motivou a Política Agrícola Comum (PAC). Estabeleceram como objetivos subsidiários elevar a produtividade, assegurar nível de vida equitativo à população rural e estabilizar mercados. Os objetivos são os mesmos. Apenas as prioridades diferem.
A PAC foi criada em 1957 em decorrência da grave escassez de alimentos vivida no pós-guerra. Vinte anos depois os europeus já eram exportadores de alimentos. Hoje, a UE é o segundo exportador mundial de produtos agrícolas e, há mais de uma década, enfrenta problemas com o acúmulo de estoques indesejados. Também nos EUA, maior produtor e exportador de alimentos, o rápido aumento da produção e produtividade se deveu ao apoio do poder público.
Esses resultados têm seu preço. Em 1992 o custo total das políticas agrícolas para os países membros da OCDE foi de US$ 353,7 bilhões. Cerca de um quarto desse montante foi pago pelos americanos, 44% pelos europeus e 21% pelos japoneses. Em última instância, os consumidores e/ou contribuintes arcam com esses custos. Os primeiros na forma de preços mais elevados e os últimos com impostos. Na Europa e no Japão os consumidores pagam a maior parte dos custos da política agrícola. Em termos médios, um produto agrícola custou para o consumidor europeu, em 1988, 125% a mais que no mercado internacional. No Japão o preço interno excedeu o preço externo em 280%. Nos EUA essa diferença foi de "apenas" 50%.
Essas constatações sugerem a seguinte questão: será que as políticas agrícolas dos países industrializados, afetam a agricultura brasileira?
Podemos responder a essas perguntas apenas com um exemplo. O trigo sai 3,5 vezes mais caro para os consumidores europeus, em comparação aos preços vigentes no mercado internacional. Obviamente esse é um ótimo estímulo para os produtores locais. O resultado é o acúmulo de estoques. Para desovar parte dessa produção os governos, através da PAC, subsidiam as exportações. Com isso, os preços internacionais declinam. O Brasil, como sabemos, importa trigo. Como nossa política comercial não exerce o direito de impor tarifas compensatórias para coibir importações de produtos subsidiados, o produtor nacional fica sem competitividade. Não é por acaso que a área plantada de trigo no Brasil reduziu-se dramaticamente após a desregulamentação do mercado.
Para o consumidor nacional, pelo menos a curto prazo, isso é interessante, pois o produto fica mais barato. Essa é a grande diferença entre a nossa política agrícola e a dos países industrializados, que se preocupam em apoiar a agricultura e criar condições para o seu desenvolvimento. Aqui a intervenção pública no setor é feita basicamente com o propósito de estabilização macroeconômica a curto prazo. Quando há algum problema de abastecimento, em lugar de apoiar o setor para que a oferta seja normalizada, o governo opta por importar ou desovar seus estoques, deixando o produtor desarmado diante da concorrência externa.

HUGO DE SOUZA DIAS, engenheiro agrônomo, é diretor do Centro de Desenvolvimento Agropecuário do Médio Vale do Paranapanema.

MARIA AUXILIADORA DE CARVALHO, engenheira agrônoma, é pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola.

Texto Anterior: Endividamento; Inverno; Alho forte; Competitivo; Sustentável; Interleite; Agrônomos; Custo do litro; Tipo B
Próximo Texto: Reserva hídrica dos solos continua elevada em SP
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.