São Paulo, terça-feira, 15 de março de 1994
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Troca de posições

JOSÉ SERRA

"Feitas as contas e a despeito das imperfeições, o FHC 2 é melhor que todos os planos de estabilização anteriores."

O ex-ministro Mário Simonsen, autor da epígrafe, reconheceu outra verdade no artigo publicado pela revista "Exame": as fórmulas impositivas de reajuste salarial foram obra do regime autoritário que se instalou no país há 30 anos. Com a autoridade de quem foi um dos principais economistas da época e, creio, autor da primeira fórmula salarial, como assessor dos então ministros Campos e Bulhões, o professor Simonsen recorda:
"Não havia lei salarial no Brasil antes da Revolução de 1964, apesar de todo o populismo do governo Goulart. Curiosamente, as leis salariais foram obra dos governos militares, nos quais este escriba teve alguma participação. Elas eram necessárias diante de duas razões. A primeira: não se admitiam, naquele tempo, greves reivindicatórias. A segunda: o governo não se propunha a estabilizar os preços de um só golpe, mas a combater gradualmente a inflação. Isto posto, diante da impossibilidade de livre negociação entre patrões e trabalhadores, as leis em questão arbitravam o reajuste nominal de salários a cada 12 meses".
Rejeitada atualmente por um de seus criadores, a prática de impor reajustes salariais através de fórmulas governamentais é defendida agora por uma parte das forças sindicais e políticas que a combatiam. O que antes promovia o arrocho, agora deveria promover a expansão dos salários.
A idéia de que a álgebra deveria substituir o confronto e a livre negociação caiu como uma luva para a direita e para a esquerda num país acostumado ao paternalismo estatal. Não é por menos, aliás, que o Brasil é o único país do mundo que tem uma Justiça do Trabalho que decide sobre índices de reajuste salarial e cuja Constituição impõe a unicidade sindical.
Evidentemente, com uma inflação de 40% ao mês, seria insano defender a inexistência de uma fórmula de reajustes. É claro também que o governo nunca poderá deixar de fixar os índices de reajuste do salário mínimo, dos vencimentos do funcionalismo e das aposentadorias, que não passam pelo mercado. Insensatez simétrica, porém, seria imaginar que os trabalhadores não deveriam reivindicar e obter correções salariais por conta da inflação, mesmo quando esta for baixa. Só que o caminho para isso não deveria ser uma indexação imposta pelo governo, e sim a livre negociação de contratos coletivos de trabalho, onde os trabalhadores poderão fazer suas exigências e incluir cláusulas de reajustes automáticos.
Aliás, a estabilidade dos preços, que o real poderá trazer, significará para os sindicatos, como lembrou Edmar Bacha, a possibilidade de lutarem por aumentos reais de salários e não apenas por reajustes nominais, que se esvaem na inflação subsequente.
A união de forças da "direita" e da "esquerda" (o que quer que ambos os conceitos signifiquem) para manter a indexação impositiva e a pesada intervenção do Estado no mercado de trabalho só é surpreendente à primeira vista. Seus fundamentos são óbvios. De um lado, a torcida para que a estabilização não aconteça, o velho "quanto pior, melhor". Do outro, a tradição do intervencionismo estatal e da ação do Estado-Pai como substituto para os conflitos saudáveis e as negociações necessárias.

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