São Paulo, sexta-feira, 18 de março de 1994
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PSDB e PFL ressuscitam Aliança Liberal

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A notícia de uma possível aliança entre o PSDB de Fernando Henrique e o PFL de Antônio Carlos Magalhães tem sido recebida com escândalo. Os simpatizantes do PSDB são os que se mostram mais indignados.
A rigor, não há nenhuma razão para revolta. Fernando Henrique já foi líder do governo Sarney no Senado. Toninho Malvadeza (assim era chamado ACM) aliou-se à figura de Ulysses Guimarães. O PSDB participou do governo Collor, extra-oficialmente. E, se até Erundina já foi ministra de Itamar, qual a grande decepção desta aliança?
Uma coligação PSDB-PFL significaria apenas a volta da velha Aliança Liberal –acordo que possibilitou a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. A diferença é que o quercismo está de fora. E que o adversário não é mais Maluf, e sim o Lula.
Há uma lógica inescapável nesse tipo de aliança. Não é à toa que se reproduz agora, quase dez anos depois de Tancredo.
Trata-se, como sempre, de uma ligação entre o empresariado do Sudeste com a oligarquia nordestina. O chantilly deste bolo indigesto são os vagos esquerdismos, ou melhor, mudancismos, que o PSDB herdou do velho MDB.
A afirmação feita neste último parágrafo exige uma série de explicações, e suscita muitos contra-argumentos.
Questão básica, e para mim incompreensível, é a seguinte: por que Maluf é sempre excluído das articulações políticas, quando se trata de defender o status quo? A Aliança Liberal de Tancredo e Sarney destinou-se a derrotar Maluf. A grande manobra conservadora em curso, pela candidatura FHC, deixa Maluf de fora. Os pactos de elite afastam Paulo Maluf.
Tento dar algumas respostas. A primeira é que Maluf sempre se põe como candidato; seu personalismo o impede de participar dos arranjos de poder. ACM, ao que tudo indica, abre mão de sua candidatura, acoplando-se a Fernando Henrique. Maluf faz sempre o oposto.
Em segundo lugar, talvez Paulo Maluf seja excessivamente "paulista" para funcionar como candidato de envergadura nacional. Representa o lado mais "hardcore" da burguesia de São Paulo. É empresarial demais.
Já um Sarney, um Tancredo, um Fernando Henrique, vinculam-se a uma tradição mais tolerante, acariocada, pré-brasiliense e não-paulista de defender o status quo. Sabem lidar com as bancadas oligárquicas do Nordeste. E não são ameaça nenhuma aos empresários e banqueiros de São Paulo.
O fantástico é que Fernando Henrique ainda desfruta de prestígio entre os intelectuais, a classe média esclarecida, os grupos de centro-esquerda.
Como não ceder a seu charme, a sua aura, a seu passado antiditatorial? Fernando Henrique é cortês, lhano, diserto, espirituoso. Sua inteligência, ainda que dela faltem exemplos recentes, não é contestada.
Fernando Henrique corresponde à vocação tucana por excelência: o papel decorativo. O PSDB sempre foi decorativo. Suas indecisões foram sempre o arabesco do bolo. Serve como partido para quem quer se considerar de esquerda, ou de centro-esquerda, ao mesmo tempo em que defende o capitalismo, acordos com o FMI, privatizações, modernidades.
Reencontra-se, na candidatura Fernando Henrique, a mesma ideologia de Fernando Collor. Mas Fernando Henrique é, por dizer assim, uma espécie de Collor "do bem". Como Tancredo que era uma espécie de Benedito Valadares benfazejo: como Sarney, que passou para a história como sujeito bem intencionado e hoje circula, sorridente e assimilado, Fernando Henrique faz o papel de grande conciliador das elites.
Tancredo e Sarney eram baixinhos. Collor e Fernando Henrique são emproados e bonitões. Collor foi um acidente, um desespero cego à eventualidade de Lula no poder. Não tinha "bases" partidárias. Fernando Henrique tem as suas bases. Eleitorais, na classe média. Partidárias, sociais, na Fiesp, no PFL, na Febraban, no PMDB, nos intelectuais, na imprensa, na Globo, na Bahia.
O que pensar, então, de Lula? Quais suas fontes de voto na eleição? Estranhamente, nem mesmo o prestígio de ser de esquerda o favorece. Primeiro, por que ninguém mais assume a condição de esquerdista.
Em segundo lugar, por que seu esquerdismo é atualmente pura expressão do corporativismo. Lula tem votos na baixa burocracia da Petrobrás e do Banco do Brasil. Lula agrega setores renitentes da sociedade civil, "enragés" da classe média. Inclusive militares.
O projeto de Fernando Henrique e de ACM é claro. Conciliar com a oligarquia, modernizar o país –o que significa integrá-lo à órbita do primeiro mundo na condição de parceiro menor– e não mexer com bancos e latifúndios. Em suma, deixar tudo como está, só que numa versão mais sorridente e progressista.
Já o projeto de Lula é puramente reativo, puramente do contra. Claro que no seu programa há a intenção de mexer com latifúndios e de atacar bancos, oligopólios etc.
Mas o PT não vive, internamente, sem a militância dos setores mais atrasados, dogmáticos e corporativos. O PT surge como uma sucursal, hoje em dia, do PC do B, beneficiando-se do prestígio pessoal de Lula e da boa vontade dos seus intelectuais independentes, que engolem sapos o tempo todo. Até os parlamentares petistas mais lúcidos, como Genoíno, aguentam mal a ditadura de uma militância jurássica e combativa.
Temos, assim, um quadro eleitoral bem sintomático. Fernando Henrique é o candidato da direita e sua aliança com o PFL nada teria de espantoso. Lula é o candidato da esquerda, mas de uma esquerda atravessada de corporativismo e de bobagens cubanizantes.
Lula transformou-se num demônio –no novo Maluf contra quem se juntam os esforços da nova Aliança Liberal.
Se eleito, Fernando Henrique será uma espécie de Sarney. Não poderá romper com as oligarquias que causam o atraso do país. Se eleito, Lula será uma espécie de Covas, de Erundina: conciliatório à força, indiferente, impotente, face ao bloco harmônico –usineiros, Fiesp– que traça os destinos do país. A menos que ele queira brigar com essa gente. Será dificílimo.
Lição eleitoral: o Brasil não muda. O povão, em última análise, acha que isso é ótimo. As classes baixas, no Brasil, são de direita. A única vantagem da democracia é poder dizer: então, se é isso, bem feito para vocês.

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