São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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Os cibernéticos

FLAVIO GOMES

Travei áspero diálogo na madrugada de ontem com meu computador. Uma máquina sofisticada, pequenininha, colorida e o escambau. Normalmente, uso para escrever. Já tentei fazer uns desenhos, mas seria reprovado na pré-escola se apresentasse tais garranchos à tia. Nosso relacionamento, meu e do computador, não é dos melhores.
Piorou ontem porque eu inventei de instalar um programa que simula corridas de Fórmula Indy. Passei horas apertando yes e enter até que a tela, com uma frieza inacreditável diante da missão imposta, me informou que estava tudo instalado. Eram três da manhã. (As poucas horas de sono explicam o mau-humor.)
Autoritário, o computador me mandou escrever "indycar" para iniciar aquela que, eu imaginava, seria uma inesquecível corrida em Michigan. A idéia era escolher logo um oval para me estourar no muro e ir dormir. Escrevi "indycar". Não aconteceu nada. Escrevi de novo. Nada. Fiquei irritado, escrevi start, help, fuck you e shit. Nada. Digitei os equivalentes em português para ver se mexia com os brios do meu hard-disk. Nada.
Começo a entender porque eliminaram a eletrônica da F-1. Como é que um piloto pode dirigir direito tendo que pensar na inclinação da suspensão, na calibragem dos pneus, na regulagem milimétrica das asas, na programação exata do computador que troca as marchas? Ainda bem que acabaram com essas maluquices.
Não, não esqueci que domingo tem corrida em Interlagos. Já reparei também que estou tomando seu tempo com uma papagaiada insossa sobre meus ínfimos problemas cibernéticos. É, computador pra mim é cibernética, não informática. Se você não sabe, vem do grego "kybernetiké", que quer dizer "a arte do piloto". Quem diria. Pilotos são especialistas em cibernética.
Bom, dane-se a corrida. Semana que vem falo dela. Por enquanto, deixem-me em paz com a frustração de não ser piloto nem em computador. Aliás, todos nós que escrevemos sobre corridas somos pilotos frustrados. No ano passado, em Portugal, passei dias treinando num videogame de shopping center (esses eu gosto, é só colocar a ficha e dispensa-se o diálogo com a máquina) para derrotar adversários históricos, entre eles Rubens Barrichello. Foi um vexame. Quase tomei uma volta.
Ainda bem que, nessa vida, resolvi escrever em vez de correr.

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