São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Pessoas próximas a FHC ainda não entendem a URV

BOB FERNANDES
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Pessoas próximas a FHC desconhecem a URV
Após 20 dias de plano, a conversão dos salários ainda é um mistério
Vinte dias depois de implantado o programa de estabilização e distribuídas 4,5 milhões de cartilhas com explicações sobre a URV, pessoas que convivem com o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e alguns dos pais do plano continuam boiando, sem entender sequer o mecanismo básico, a conversão dos salários.
O ministro Fernando Henrique, em São Paulo, tem residência à rua Maranhão, no bairro de Higienópolis. Francisco, o Chico, é o porteiro do prédio. Chegou de Natal (RN) com um tio há seis anos. É rotineiro Chico deparar-se com o ministro nos finais de semana."O home é gente boa, mas eu não sei como vai ser, não entendi nada", diz quando indagado sobre o seu salário, a URV, o real.
"Seu Zé, o zelador, é um cara entendido, inteligente", conta Chico. E o Zé, entendeu? "Ele me disse que não tá entendendo nada", diz Chico. Em Brasília, o porteiro do prédio onde o ministro reside há mais de dois anos é Grassiano Francisco dos Santos, 61, que deixou a Bahia em 1979.
Grassiano se chateia quando jornalistas estão por perto e impedem a troca diária de cumprimentos e algumas palavras com o ministro. "Todo dia ele liga cedo, pergunta se o carro chegou ou não, conversa com a gente", diz Grassiano.
Às 17h15 da quarta-feira, em meio a uma chuva torrencial, Grassiano conversou com a Folha: "Não tenho a menor idéia de como é isso, não sei como vai ficar o meu salário, se é pra mais, se é pra menos ", disse.
Há mais de dez anos Feliciano Soares de Oliveira, 31, troca um cumprimento cortês e alguns minutos de conversa com Fernando Henrique. Ele é um dos empregados da banca de jornais da praça Vilaboim, um dos caminhos do ministro na vizinhança da rua Maranhão, em São Paulo. "Agora, com menos tempo, ele tem vindo menos, só em um ou outro final de semana", diz Feliciano.
"Ficou de acontecer uma reunião do pessoal da banca para saber disso mas, até agora, tá uma zona, né? Cada hora é uma moeda, esse bafafá todo, ainda não estamos entendo nada", diz Feliciano. Também em São Paulo residem Ruth e Lurdes. São empregadas na casa de Pérsio Arida, presidente do BNDES, um dos formuladores do Plano FHC e do Cruzado.
Na quarta-feira, ao telefone, Ruth disse à Folha: "Tô entendendo alguma coisinha. Seu Pérsio falou que vai explicar pra gente e aí vai ser bom porque a gente vai entender mesmo, de verdade". Ruth, por ora, sabe que "em abril o salário vai vir corrigido".
Lurdes, uma das quatro empregadas na casa de Arida, diz ter 28 anos e chegou de Minas em 1965. Na sexta-feira à tarde, indagada sobre a URV e o seu salário, pelo telefone, afirmou: "Seu Pérsio ainda vai explicar pra gente".
O Ministério da Fazenda distribuiu 4,5 milhões de exemplares da cartilha da URV. Mas parece que elas não chegaram ao quinto andar do ministério, onde despacham FHC e alguns de seus assessores.
Francisca Paula do Nascimento é recepcionista à entrada do quinto andar. "Dizem que o próximo salário é em URV", informa Francisca. E o que é a URV? "Eu não entendi nada, não sei como funciona. Pra falar a verdade, eu não sei se é URV, se é real."
Ao lado dela, em frente à porta que dá acesso ao gabinete do ministro, circulavam o bombeiro Francisco Silva e dois dos quatro garçons do quinto andar, Nerivaldo e Ribamar. O bombeiro Francisco, que desembarcou em Brasília, vindo de Ceará, na véspera do Plano Cruzado, trabalha na Fazenda desde os tempos de Zélia Cardoso. URV? "Moço, não tô entendendo nada, mas dizem que é igual ao Cruzado". Igual, como? "A gente só vai entender depois."
Nerivaldo, bandeja na mão esquerda, conversa sobre a URV enquanto serve um cafezinho: "Tá complicado, né? Mas acho que devagar a gente vai acabar entendendo". Nerivaldo se vai, chega Ribamar. Estende o copo d'água e, instado a falar sobre o seu salário em URV, responde: "Ééééé".
A alguns passos do gabinete de Fernando Henrique está Francisco, contínuo do embaixador Synésio Sampaio, chefe de gabinete do ministro. E a URV? "É muito complicado, dá pra entender um pouquinho", diz. Entender quanto? "O suficiente", responde Francisco, encerrando o questionário.

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