São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Inéditos de Hélio Pellegrino revelam um poeta desigual

RÉGIS BONVICINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Minérios Domados" reúne os poemas escritos por Hélio Pellegrino desde o início dos anos 40 até 1988, data de sua morte. Os poemas, informa o organizador do volume Humberto Werneck, estavam –quase todos– inéditos.
Pellegrino destacou-se em vida como psicanalista, não revelando a um público mais amplo sua "persona" de poeta.
Os textos ora colecionados não têm preocupação eminente com a invenção formal, como, por exemplo, os textos de Manuel Bandeira, Drummond, João Cabral ou Augusto de Campos, para mencionar alguns dos principais poetas brasileiros deste século. Dão a impressão de –mesmo quando em contacto com formas experimentais, aspirarem à condição de "tradicionais".
Pellegrino não esconde, sobretudo nos períodos iniciais, relativos aos anos 40 e 50, a influência da Geração de 45, que o marcaria em sua leitura dos poetas modernistas históricos.
O livro traz alguns poemas gratuitos e pouco suficientes em sua fatura final, valendo como anotações de um leitor. Os textos mais curtos, tais como "Definição" (A fala é a música do corpo/ e a música –o corpo da fala) ou "Poema" (A pelo no rosto da noite/ a pele no rosto da morte: tudo é canção) constituem-se exemplos disso, não conquistando a condição de "hai kai". Existem também no volume poemas longos, escritos na juventude do poeta, que –hoje– se mostram desinteressantes se comparados aos escritos por poetas militantes. São eles de vocação surrealista.
Mas o curioso é que Pellegrino –mantendo sempre as características de sua poesia: contraste entre tom elevado e coloquial, um certo apreço pelo solene– conseguiu acompanhar o itinerário da poesia dos anos 40 até os 80. Dos ecos do modernismo aos textos curtíssimos dos 70 e 80.
A metáfora da estrela (elevação, transcendência, impossibilidade) e a observação do cotidiano são características que não abandonaram as palavras de Pellegrino e que se compuseram simultaneamente.
Embora presente, a aproximação entre o psicanalista e o poeta ocorre, explicitamente, em poucos textos –contrariando aqui o intimismo psicológico programático da Geração de 45.
Pode-se afirmar que sua poética se dá em diálogo –e já se anotou isto– com os principais nomes do modernismo brasileiro e com alguns nomes da literatura universal. Entre os melhores do volume, está o poema sem data "Heráclito, o obscuro" ("A pedra se move menos do que a planta/ (...)/ O réptil é mais sonolento que o leopardo...").
Desigual –talvez por não ter se dado ao choque com os contemporâneos e com o público–, a poesia deste mineiro apresenta bons momentos quando se abandona a imagem, como nos textos "Asa imóvel" (Ausente de tudo, absorto,/sem dor, sem mar, sem cansaço,/ abismado em seu espaço: barco enfim chegado ao porto) ou "Amanhecer" ("Sacramento de fogo/o sol irrompe em Roma/ Para aquém/ para além/ de qualquer esperança"). A imagem se apresenta também substantiva em textos como: "O borboletas de papel/janelas da insônia/turbilhonando a noite". A interpretação psicanalítica se dissolve em abstrações poéticas de bom nível como em "Self": "...o céu e a terra/são um do outro seus contrários/ o centro é o centro". De se registrar, ainda, a tentativa de recriação do complexo de Édipo, numa pequena série de poemas. A convergência desta vertente mais psicanalítica com a vocação plástica produz algumas peças "tensas" como "Natureza Viva" (o revólver/ cartesianamente sobre a mesa...).
Minas Gerais está, evidentemente presente nos poemas e na "poética". O título do livro não esconde um diálogo com o Drummond da "Pedra no Caminho": os minérios (poesia, pedra, existência) estão, mesmo que parcialmente, domados: "...uva das Minas Gerais. Uva sáfara, mineral...". Valem estes "minérios" como o registro de um fino leitor da poesia contemporânea brasileira, companheiro de geração de Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino.


A OBRA
Minérios Domados - Poesia Reunida, de Hélio Pellegrino. Seleção e edição de Humberto Werneck. Capa de Claudio Cretti. Rocco (r. Rodrigo Silva, 26, 5.º andar, Rio de Janeiro, CEP 2011-040, tel. 021 531-2829, fax 021 531-2027). 248 págs. 15.99 URV

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