São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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China investe em turismo na região dos ursos pandas

MARCUS W. BRAUCHLI
DO "THE WALL STREET JOURNAL"

China investe em turismona região dos ursos pandas
Projeto pode financiar conservação, ou destruir uma das poucas áreas de reprodução dos animais
Para melhor ou para pior, o turismo está se somando às forças que invadem o hábitat dos pandas. Um moderno hotel turístico será inaugurado em abril na região montanhosa de Wolong, na China central –um dos poucos hábitats naturais remanescentes dos ursos pandas. O hotel, de 60 apartamentos, fica ao lado da sede da Reserva Natural de Wolong, criada em 1975 para proteger os pandas gigantes, os leopardos da neve e outros animais em perigo de extinção da Província de Sichuan.
O hotel constitui uma controvertida experiência com o chamado ecoturismo. Seus proponentes esperam que ele ganhe dinheiro para ajudar a financiar os esforços para salvar os pandas. Mas os conservacionistas temem que o influxo de turistas destrua uma das poucas regiões em que os pandas ainda vivem e se reproduzem.
O problema consiste em como equilibrar o comercialismo gritante da China reformista com a proteção dos pandas. Outros animais, como o tigre do sul da China e o golfinho do rio Yangtzé, já foram levados à quase extinção pela corrida chinesa para o progresso.
Com a caça ilegal e o desmatamento que já prejudicam os estimados mil ou menos pandas ainda sobreviventes, mesmo os cientistas chineses acham que talvez seja apenas uma questão de tempo até que o panda desapareça. "Esta geração e a próxima terão que trabalhar duro para salvar o urso panda", diz Hu Jinchu, o maior especialista chinês em pandas. "Se não o fizerem, o panda estará extinto dentro de cem anos."
Estas previsões pessimistas se baseiam nas realidades de um país de população enorme e grandes ambições econômicas. Mesmo no íngreme vale do rio Pitiao, em Wolong, onde alguns milhares de camponeses cultivam batatas e verduras, a ânsia do dinheiro já mostrou seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.
O maior problema é a extração de madeira. Os arbustos e as árvores novas estão sendo cortados com machadinhas e foices. Caminhões carregados com toras de seis metros descem a estrada poeirenta. Essas atividades destroem os bambuzais que fornecem alimento para os pandas.
Ainda existem casos de caça ilegal destes grandes animais pretos e brancos, de andar lento e desajeitado, mas o perigo maior que eles correm é o de se estrangularem em armadilhas preparadas para os minúsculos veados almiscareiros, caçados pelo óleo glandular que produzem, valioso na produção de perfumes e remédios.
Segundo um especialista ocidental em pandas, durante a década de 80 foram mortos até 200 pandas, ou seja, um quinto da população total. As perdas se estenderam até Wolong. Segundo uma estimativa, há dez anos havia cerca de 140 pandas vivendo em condições naturais em Wolong. Hoje, são possivelmente 70.
A burocracia chinesa atribui os problemas que enfrenta para proteger os pandas à falta de dinheiro. O poderoso Conselho de Estado chinês endossou um plano de proteção em grande escala, mas ainda não liberou os US$ 30 milhões que ele custaria.
No entanto, houve dinheiro disponível para outros projetos. Zhou Shode, vice-diretor da Administração da Reserva Natural de Wolong, diz que conseguiu obter um empréstimo de US$ 340 mil para construir um hotel. "Talvez tivéssemos preferido gastar o dinheiro em conservação, mas não havia disponibilidade de dinheiro para esse fim", ele explica. Assim, a reserva possui um hotel, com telhado de telhas cor-de-laranja e um bar com karaokê.
No ano passado cerca de mil turistas estrangeiros e 30 mil chineses visitaram Wolong, hospedando-se em condições primitivas. As autoridades esperam que esse número aumente, tanto para render dinheiro quanto para ampliar a consciência pública da difícil situação dos pandas.
Os especialistas chineses em pandas mostram cautela ao avaliar o novo hotel. Se ele puder pagar por mais patrulhas contra a caça ilegal ou por novas reservas naturais, eles dizem que vão aprová-lo. "Se vierem mais turistas e a administração for boa, como a de Yellowstone, acho que pode ser uma boa coisa", diz Zhang Hemin, especializado na reprodução de pandas em cativeiro em Wolong.
Mas o aumento do número de visitantes não significa necessariamente melhor tratamento para os pandas. No zoológico de Chengdu, onde 1,5 milhão de turistas por ano pagam o equivalente a US$ 0,25 para visitar os 12 pandas expostos, as condições são ruins. Dois filhotes de panda de 150 dias de idade estão apertados numa jaula de mais ou menos um metro cúbico. Quadro adultos jovens estão apertados numa jaula de mais ou menos quatro metros por cinco. Os responsáveis pelo zôo dizem que não têm dinheiro para fazer mais.
Em Wolong, as autoridades dizem que vão restringir o acesso dos visitantes a um centro de procriação semelhante ao de um zoológico e não permitirão que se desloquem para altitudes superiores a 2.500 metros, onde os pandas que vivem em estado natural passam a maior parte de seu tempo.
Mas não será fácil restringir o acesso dos turistas. Recentemente dois turistas argentinos subiram a pé até Wuyipeng, um local de pesquisas situado a 2.500 metros de altitude. "Quando li que havia uma reserva de pandas, não pensei duas vezes", contou o portenho Miguel Attaguile, de 23 anos.
O entusiasmo dos turistas preocupa os especialistas em pandas. "Por um lado há a necessidade de ganhar dinheiro", diz Jiming Fang, especialista em comportamento animal da Universidade Normal de Pequim. "Por outro lado, queremos proteger os pandas. É um dilema difícil."

Reproduzido sob permissão do "The Wall Street Journal", copyright 1993 Dow Jones & Company, Inc. Direitos mundiais reservados

Tradução de Clara Allain

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