São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Físicos progridem rumo a reator de fusão

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há duas maneiras de capturar e aproveitar a energia dos núcleos atômicos: fissão e fusão. A primeira consiste em quebrar os núcleos dos elementos pesados, como o urânio. A segunda baseia-se na incorporação forçada dos núcleos de elementos leves, como o hidrogênio.
A fissão é aproveitada na bomba atômica e na geração de eletricidade nas usinas atômicas ou nucleares. A fusão é a fonte de energia produzida no âmago das estrelas, inclusive no Sol, e serve à fabricação da bomba de hidrogênio; ela pode gerar muito mais energia que a bomba atômica ou a fissão.
Foi "relativamente" fácil extrair a energia pela fissão. Mas há uns 50 anos os cientistas tentam produzir e aproveitar no laboratório a fusão nuclear. O processo tem-se revelado muito mais difícil do que se imaginava.
A dificuldade reside na carga positiva dos núcleos de hidrogênio, que tende a afastá-los. Para uni-los, é preciso aplicar temperaturas e pressões enormes. Esta última é irrealizável na Terra. Para compensar a deficiência de pressão, os físicos aumentam muito a temperatura, na tentativa de repetir o fenômeno que se passa no interior do Sol. Na bomba de hidrogênio essa força tremenda é obtida a partir da bomba atômica, cuja explosão, é claro, não se poderia realizar no interior de um reator ou de uma usina atômica.
Recorde
Em suas tentativas de produzir fusão no laboratório, o máximo que os físicos têm conseguido são episódios de curtíssima duração. Para esse fim se desenvolveram vários tipos de reatores, até chegar ao Tokamak do Laboratório de Física de Plasma de Princeton, nos Estados Unidos. Um reator europeu semelhante conseguiu no início de 1992 gerar 1,7 milhão de Watts, recorde que foi batido em fins do ano passado pelo aparelho de Princeton.
A experiência crucial do Tokomak de Princeton, conforme descreveu Michael Lemonick no "Time", foi acompanhada por centenas de cientistas e auxiliares num auditório contíguo ao cômodo onde se encontra o reator de uma a duas toneladas de peso e 15 metros de altura.
O acompanhamento foi feito mediante monitores computadorizados. No centro do reator existe uma cavidade arredondada, em forma de tubo enrolado –parecido com um pneu. Nela se colocou deutério, isótopo do hidrogênio que tem um nêutron além do próton no núcleo. A esse deutério se acrescentaram uns 30 gramas de trítio, isótopo do hidrogênio cujo núcleo encerra dois nêutrons além do próton. Isótopos são átomos cujos núcleos têm a mesma carga elétrica, mas cuja massa varia conforme o número de nêutrons.
A mistura foi aquecida por potentes ondas de rádio e sua temperatura atingiu mais de 100 milhões de graus, o triplo do calor do centro solar. De súbito a mistura explodiu e gerou mais de três milhões de Watts de potência, que subiriam a cinco milhões de Watts no dia seguinte. Esse resultado é a realização do objetivo que durou 20 anos de pesquisa, porém a meta final é alcançar 10 milhões de Watts.
A parte mais difícil da experiência foi confinar e "acender" o plasma (gás formado por partículas eletricamente carregadas), o que se conseguiu dentro de poderosos campos magnéticos. O fenômeno da fusão durou apenas entre três e quatro segundos.
A grande vantagem dessa reação é ser limpa, uma vez que o combustível é a água, fonte dos isótopos de hidrogênio. E essa fonte é inexaurível e imbatível, uma vez que, como lembra Lemonick, os 5 centímetros superiores da água do lago Erie bastam para abastecer de energia o equivalente ao total das reservas de óleo em todo o mundo.
Não se pense, porém, que o problema da energia esteja resolvido. Por enquanto, o Tokamak, que já consumiu US$ 1,6 bilhão, gerou apenas um oitavo da energia que consumiu. Ainda estão muito longe -décadas ou mais- suas possibilidades de uso comercial. Este, dado o seu custo, só será atingido mediante esforço internacional, já em cogitação.

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