São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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E o Universo, teve inflação?

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo tendo sido saudadas como a descoberta do século por ninguém menos que o astrofísico Stephen Hawking, as imagens feitas a partir do satélite Explorador do Fundo Cósmico –o Cobe– ainda são muito embaçadas para enxergar como se formaram as galáxias. Em 1992 dizia-se que elas contariam toda a história do Universo, por representarem o eco da explosão que deu origem a tudo –o "Big Bang". Ledo engano.
"O maior problema da cosmologia é descobrir qual foi a origem das galáxias e dos aglomerados de galáxias. A teoria padrão do Big Bang explica uma série de coisas, mas não como se formaram essas estruturas", diz Neil Turok, da Universidade de Princeton (EUA), que publicou na revista "Nature" de 3 de março artigo em que diz ser impossível confirmar qualquer teoria para resolver esse problema.
Essas teorias recebem em geral nomes pomposos, como "inflação" ou "falhas topológicas". "A inflação seria um período de expansão muito rápido bem no início do Universo. Tenho certeza de que vocês entendem disso no Brasil", brinca o astrofísico. Segundo ele, foi a primeira teoria que surgiu para explicar a formação das galáxias. Para gerá-las, a expansão súbita teria ampliado minúsculas irregularidades que existiam no Universo até o tamanho de galáxias.
As teorias que falam em falhas topológicas, por sua vez, explicam as galáxias sem recorrer a uma expansão inflacionária. "Com a queda da temperatura, teria ocorrido uma quebra de simetria no início do Universo, do mesmo modo que, congelando água, se forma o gelo. Se ela for congelada rápido, por exemplo, não se forma um cristal perfeito de gelo. Ele fica com várias falhas. O mesmo teria acontecido no início do Universo. No trabalho que publicamos, estudamos a evolução dessas falhas para entender como elas podem ter gerado galáxias."
Turok enumera vários tipos de falhas, dependendo da forma que assumem. Um deles, ironicamente, é chamado "monopólio" –representa a concentração de matéria ao redor de um ponto. Por incrível que pareça, esses monopólios estão entre os maiores adversários da inflação. Mas também existem outras falhas: "cordas" (comparadas por Turok a fios de espaguete), texturas (nuvens que vão se retraindo) e assim por diante.
"Todas essas teorias são consistentes com os dados que temos", afirma Turok. Em "todas", ele inclui naturalmente a própria inflação. Para decidir qual está correta, Turok diz serem necessários dados com menor interferência. "Agora é como se estivéssemos com a visão bem prejudicada", diz.
Hoje, o que é possível "ver" no céu são imagens produzidas a partir de um tipo de radiação captada por telescópios especiais –a radiação de microondas. A maioria da luz que vemos vem das estrelas, que nasceram bem depois do Big Bang. Mas a maior parte da energia liberada no início do Universo, quando ele estava quente, viajou até hoje na forma de radiação de microondas. Mesmo invisível, essa radiação pode ser detectada por dispositivos como os usados no satélite-telescópio Cobe.
"Quando o Universo tinha apenas cerca de 100 milhões de anos de idade, ele era tão denso que a radiação esbarrava com frequência em partículas e se perdia. Por isso é impossível ver o que ocorreu antes", explica Turok.
O astrofísico verificou se as imagens da radiação de microondas, emitida 100 milhões de anos depois do Big Bang, podiam corresponder à distribuição de galáxias e de radiação que cada uma das teorias prevê para 100 milhões de anos depois do início do Universo. Para seu espanto, verificou que todas as teorias podem estar certas. É verdade que Turok tem suas preferências pessoais, como as texturas e os monopólios.
Agora estão sendo feitos experimentos mais refinados para melhorar a resolução dessas imagens. "Pequenos grupos de pesquisadores estão trabalhando no pólo Sul, usando instrumentos pequenos e balões –por exemplo os experimentos Max e Python. Mas os dados ainda não são muito seguros."
Segundo Turok, a Nasa decidiu recentemente colocar um segundo satélite no céu, o Cobe 2, com uma resolução de imagem dez vezes maior que o seu antecessor. "Ele subirá provavelmente dentro dos próximos dez anos.", afirma.
O otimismo de Turok não pára aí. Ele acredita que, mesmo antes do Cobe 2, será possível em breve decidir quem gerou galáxias: texturas, monopólios ou a inflação. "Isso pode ser até detectado em experimentos já em andamento", escreveu em seu artigo, torcendo contra a inflação.

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