São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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EUA querem mudanças 'positivas' no Leste

PAUL T. WHYTE
DO "USA TODAY"

O secretário norte-americano de Defesa, William Perry, que ocupa o cargo há pouco mais de um mês, iniciou na última quarta-feira uma viagem de oito dias à Rússia, Cazaquistão, Belarus e Ucrânia, para "incentivar esses países a continuarem avançando numa direção positiva". Perry falou sobre a política dos Estados Unidos com relação a esses e outros países –incluindo a Bósnia e a Coréia do Norte– numa entrevista concedida ao conselho editorial do "USA Today". Seguem os principais trechos da entrevista:
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Pergunta - Boris Ieltsin está perdendo terreno para os defensores da linha dura, suas reformas estão perdendo ímpeto e os críticos dizem que a assistência que os EUA prestam à ex-União Soviética equivale a ajudar um futuro inimigo. Devemos reverter esse rumo?
William Perry - Nosso ponto de vista é que devemos focalizar nossa assistência sobre aquelas coisas que são benéficas para nós, quer a reforma dê certo ou não.
Pergunta - Por exemplo?
Perry - Talvez o exemplo mais dramático seja o dos ICBMs na Ucrânia. São mísseis que estão dirigidos para os Estados Unidos. A Ucrânia está retirando esses ICBMs das plataformas de lançamento, está desativando-os, colocando-os em trens e enviando-os para locais de desmantelamento na Rússia. Este é um exemplo do que algumas pessoas chamam de defesa por outros meios. Do nosso ponto de vista, é uma coisa que vale a pena ser feita, aconteça o que acontecer.
Pergunta - A Ucrânia destruiu ou desmantelou algumas das armas mais antigas. Mas o que está acontecendo com as armas mais novas e sofisticadas?
Perry - Nós nos reunimos com o presidente Leonid Kravchuk e com o ministro da Defesa, Vitali Radetski, na semana passada. Eles nos disseram que os trens já estavam atravessando a fronteira da Rússia, carregando ogivas SS-19 e SS-24. A SS-24 é a mais moderna de seus ICBMs. Eles disseram que estes mísseis estão sendo retirados de suas plataformas de lançamento em Pervomaisk. Perguntei ao presidente Kravchuk se durante minha visita ele permitiria que Radetski me levasse até Pervomaisk para observar o desmantelamento em processo. Ele concordou.
Pergunta - Que outros programas seguem esse mesmo molde?
Perry - A assistência à Rússia, Ucrânia, Cazaquistão e Belarus na conversão de sua indústria de defesa em produção de produtos civis. Sua motivação nisso é simples e direta: isso ajuda sua economia. Nosso motivo é que isso remove um dos elementos que constituem ameaça para nós. Um projeto específico se destina a ajudá-los a pegarem uma fábrica de armamentos e convertê-la à produção de casas pré-fabricadas.
Pergunta - Outro problema espinhoso que o sr. herdou é o da Bósnia. Se tropas norte-americanas participarem de qualquer missão futura de manutenção da paz na Bósnia, qual o número mínimo que o sr. poderia colocar lá que pudesse formar uma força de combate efetivo?
Perry - Não posso dar um número. Em primeiro lugar, precisamos ter um tratado de paz que defina as funções que seriam exigidas das forças de manutenção da paz. Ainda não temos isso. Como questão política, queremos que as forças norte-americanas constituam menos da metade do total das forças da ONU.
Pergunta - O sr. foi criticado por ter dado detalhes demasiado específicos sobre o que as forças aliadas estavam ou não dispostas a fazer para impedir a agressão sérvia na Bósnia. O sr. acha que isso foi um erro estratégico?
Perry - Não, não acho. Nós nos Estados Unidos e nós na Otan estamos sendo pressionados para ampliar a cobertura aérea, passando a proteger outras cidades da Bósnia além de Sarajevo, especialmente aquelas que foram designadas áreas de proteção. Minha avaliação profissional é que o poderio aéreo não pode ser usado efetivamente para esse fim. É de importância crucial não apenas para a Otan, mas também para as Nações Unidas e para os Estados Unidos, que, quando forem feitas declarações sobre o que irão ou não irão fazer, que não sejam feitas ameaças vazias. Não devemos ameaçar com uma ação que não tivermos capacidade de levar a cabo.
Pergunta - O que devemos fazer?
Perry - Devemos dar preferência à diplomacia e não à força militar. Fizemos isso com os muçulmanos e croatas, e foi isso que levou a este novo acordo de federação (entre eles).
Pergunta - Existem lições em relação ao que aconteceu na Somália que devemos aplicar a futuros engajamentos visando fazer a paz e manter a paz?
Perry - Sim. Quando nós nos envolvemos numa operação militar, especialmente se acontecer de ela ser bem-sucedida, existe uma tendência a estendê-la. É o efeito conhecido entre os militares de "avanço militar sorrateiro". E fomos muito criticados na Somália por esse "avanço militar sorrateiro", porque tivemos uma operação humanitária muito bem-sucedida para proteger os comboios, e nós a estendemos além do que nossa capacidade permitia. Não pretendemos cometer o mesmo erro na Bósnia.
Pergunta - Onde o sr. traça a linha divisória entre o ponto onde devemos intervir e onde não devemos?
Perry - É preciso partir de nossos objetivos políticos. Vejamos como isso se aplica na Bósnia. Nossos objetivos políticos ali são duplos: primeiro, impedir que a guerra se alastre para além da Bósnia e até mesmo para além dos Bálcãs. O segundo objetivo ali é fazer o que pudermos para limitar a violência, especialmente as baixas civis, enquanto as negociações estiverem em curso.
Pergunta - Os Estados Unidos também enfrentam uma ameaça de guerra sobre a tentativa de nuclearização da Coréia do Norte. O que poderá impedir a Coréia de se nuclearizar?
Perry - A Coréia do Norte ocupa um lugar muito proeminente em nossa lista de preocupações no mundo. Acreditamos que ela possui algum material físsil, algum plutônio e que ela tem um programa para desenvolver armas nucleares. É até possível que ela já tenha desenvolvido armas nucleares. A segunda preocupação é que ela possua um reator, que lhe permitiria gerar quantidades muito maiores de plutônio. E além disso os coreanos têm um programa de construção de mísseis, que está desenvolvendo mísseis balísticos de alcance médio e talvez intermediário. Se juntarmos tudo isso, qualquer problema que tenhamos com eles hoje poderia ser agravado, daqui a três ou quatro anos, com um programa que poderia ter uma dúzia mais ou menos de armas nucleares, e talvez um míssil capaz de enviá-las até alvos situados no Japão, na Coréia do Sul, em Taiwan.
Pergunta - O que acontecerá se a diplomacia fracassar?
Perry - As alternativas vão se tornar muito pouco atraentes. Uma delas é a imposição de sanções à Coréia do Norte. Os norte-coreanos já disseram que considerariam a imposição de sanções uma declaração de guerra. Poderíamos dizer "isso é retórica". Mas, por outro lado, deveríamos ouvir muito seriamente o que eles estão dizendo. As próprias sanções talvez não fossem efetivas. A Coréia do Norte já é um país isolado. Ela não depende em grande medida de importações. Ela depende das importações de energia, mas essas poderiam vir principalmente da China. Assim, para que qualquer imposição de sanções fosse efetiva seria preciso a cooperação integral da China e do Japão. A alternativa para além das sanções é a alternativa militar. Nossos líderes militares já afirmaram que, embora tenhamos condições de ganhar essa guerra, haveria danos imensos e centenas de milhares de baixas.
Pergunta - No entanto, estamos ameaçando punir a China por violações dos direitos humanos. Faz sentido isolar a China?
Perry - É da maior importância para os Estados Unidos permanecermos engajados com a China. Existem duas razões muito diferentes para isso. Uma delas é que a China é uma das potências econômicas que está crescendo mais rapidamente no mundo, hoje. A outra se baseia em motivos de segurança nacional, porque a China é a potência militar dominante naquela região do mundo e tem condições de influir sobre questões nas quais temos profundo interesse. Por exemplo, qualquer política em que quisermos embarcar em relação à Coréia do Norte será melhor se for feita em cooperação com a China, e se tornará muito mais difícil, talvez até mesmo impossível, se a China se colocar contra ela.

Tradução de Clara Allain

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