São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Urgência real

Três semanas depois de lançada a Unidade Real de Valor (URV) como embrião de uma nova moeda brasileira, supostamente estável, é hora de começar a discutir mais detidamente o prazo ideal para completar a transição entre o apodrecido cruzeiro real e o real.
Há, do ponto de vista técnico, opiniões divergentes a respeito. Os acadêmicos que defendem uma transição mais prolongada, inclusive alguns dos que se encontram no governo, argumentam que antecipar a introdução do real exigiria uma intervenção governamental para regular os contratos. A tese é a de que uma transição mais ou menos demorada permitiria que os próprios agentes econômicos refizessem espontaneamente seus contratos, adaptando-os à nova realidade e, por extensão, dispensando a ação do governo. A Fazenda estaria provavelmente dispensada, nessa hipótese, de editar as polêmicas "tablitas" de conversão que geraram ações judiciais noutros planos.
A essa argumentação estritamente técnica contrapõem-se duas outras, uma de natureza política e, outra, igualmente técnica. Do ponto de vista puramente econômico, a menos que haja uma adesão espetacular à URV, que não está por ora à vista, a existência de uma "tablita" e, portanto, de intervenção do governo, será de qualquer forma necessária quando da introdução do real. Ou seja, o governo arbitrará contratos em qualquer hipótese, ainda que com menos intensidade se o fizer mais tarde. De outro lado, fazê-lo mais cedo poderia evitar o desgaste político do plano.
A persistência de uma inflação elevadíssima em cruzeiros reais tende a minar a credibilidade do programa econômico. Embora o Ministério da Fazenda tenha procurado deixar claro que a inflação só cairá mesmo quando da introdução do real, essa explicação não é facilmente absorvida pela maioria da população. Parece razoável imaginar que a expectativa mais disseminada era a de que, já na etapa da URV, houvesse uma substancial queda da inflação. Em não ocorrendo, a frustração será inevitável.
Frustração, de resto, que tende a ser amplificada pelas previsíveis críticas dos candidatos de oposição, que usarão a inflação para tentar desmoralizar a candidatura do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Mesmo que o ministro não seja candidato, as críticas ao suposto fracasso do plano não serão suavizadas, porque atacar o governo, seja qual for, já se mostrou, em campanhas anteriores, um bom instrumento para angariar votos.
Se tais críticas conseguirem minar a credibilidade da URV, o real, seu gêmeo, já nascerá debilitado.
A favor da introdução mais rápida da nova moeda pesa também o fato de que o país está sendo obrigado a conviver com uma infinidade de moedas ou seus correlatos (os diferentes índices que medem a inflação aos quais estão indexados inúmeros preços da economia). O lote de siglas do tipo TR, Ufir, IGP-M, IPCA e assim por diante acaba sendo uma selva ininteligível para não-iniciados, que são a grande maioria da população.
De qualquer forma, há um argumento material que de fato é poderoso contra a imediata passagem para o real: a inexistência de papel-moeda em quantidade suficiente para permitir a rápida troca de cruzeiros reais pelos novos reais.
Entre os prós e os contras, fica evidente que é desejável abreviar ao máximo o período de transição, até porque essa palavra começa a cansar. O Brasil ficou tempo demais transitando primeiro do regime autoritário para a democracia e depois de uma moeda para outras moedas. Até para a saúde psicológica da população, é bom que se encerre a transição e se comece a ter algo mais definitivo, como uma moeda de fato digna do nome.

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