São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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O país das corporações

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Os militares estão zangados de novo. O motivo, outra vez, é o salário. Forçaram até a convocação de uma reunião ministerial, retratada como tensa pelos telejornais. Talvez tenham razão. Não sei quanto ganha um general, mas suspeito que é pouco. Mas suspeito também que as Forças Armadas estão inchadas demais para um país na situação em que se encontra o Brasil, de um lado, e para o novo contexto internacional, de outro.
Além disso, os militares perdem parte da razão de reclamar porque fica evidente que se trata de reação corporativa. Não consta que tenham provocado qualquer reunião ministerial antes, nos vários momentos em que os salários de todos os demais trabalhadores foram tungados por sucessivos planos econômicos.
Na verdade, a mini-crise entre os poderes que se desenha em torno da questão salarial é uma disputa entre corporações, da qual a grande maioria dos cidadãos (todos aqueles que não recebem seus vencimentos dos cofres públicos) está à margem.
O Judiciário agiu marotamente, ao fixar o dia 20 como data para a conversão à URV, o que dá a seus integrantes um ganho de 11%, conforme o noticiário desta Folha. A Câmara dos Deputados, com poucas exceções, agiu cinicamente, ao aprovar mais um aumento de salários para os parlamentares, medida que contamina inúmeros outros vencimentos pagos pelos cofres públicos.
Em resumo: o Estado brasileiro gira em órbita própria, desvinculada da do restante do país. Suas instituições têm uma capacidade de ação ou reação que os mortais comuns não alcançam. O Judiciário e o Legislativo legislam sobre seus próprios salários e os militares conseguem, pelo menos, o direito de acesso ao ouvido do presidente para reclamar.
Já o cidadão comum é alvejado por decretos (ou medidas provisórias, o que dá quase no mesmo) e tem que engoli-los, doces ou amargos (faz tempo, aliás, que só têm sido amargos). No máximo, tenta fazer greve, como a que está programada para quarta-feira, mas em circunstâncias objetivas muito pouco propícias.
No país das corporações, sobra cada vez menos lugar para o Brasil.

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