São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Os riscos de uma aliança

FRANCISCO C. WEFFORT

Se tiverem significado maior do que a simples mudança de governo, as eleições de 1994 abrirão caminho para a modernização e democratização do capitalismo no país. Eis o ponto essencial sobre as eleições. É bom que paremos o mais rápido possível com as discussões inúteis a respeito do socialismo que, às vezes, pipocam por aí. Na esquerda, tais discussões são sinal de ingenuidade. Na direita, são a marca da astúcia.
Em todo caso, não deixa de ser curioso que despontem como favoritos líderes como Lula, de um partido formado por socialistas, e Fernando Henrique, de um partido que se pretende social-democrata. O que aconteceu? A direita acabou?
Todos sabemos onde estão os problemas mais graves do país. O Betinho prestou um enorme serviço ao nos lembrar da permanência, secular, da fome. O outro problema, igualmente óbvio, é o subemprego. Some-se aos milhões de subempregados, os desempregados e, mais ainda, os milhões de empregados que recebem salários miseráveis. Estaremos assim nos aproximando da realidade deste país onde cerca de 65% das pessoas vivem perto do limiar da pobreza absoluta.
São problemas antigos e, evidentemente, a velha direita tem muito a ver com isso. Contudo, mais do que como males do capitalismo, estes problemas têm de ser denunciados como os males do subcapitalismo. Ou, se se quiser, como resultado das insuficiências do capitalismo. A tais insuficiências, temos de juntar a desgraça da inflação, que nos vai transformando, nós que sempre fomos um país de massas de pobres, em um país cada vez mais desigual. Tornamo-nos um país de duas moedas onde se deteriora cada vez mais a precária capacidade de integração social que demonstramos ter no passado.
A direita promete ressurgir nas próximas eleições. Com as suas massas de miseráveis e com os seus exploradores, tão incompetentes como capitalistas quanto autoritários e brutais como políticos. A realidade social do nosso subcapitalismo já teria desaparecido há muito se a velha direita tivesse acabado. A velha direita e o subcapitalismo se mantêm um ao outro. E é porque a velha direita continua que as eleições de 1994 arriscam tornar-se mais uma entre as nossas oportunidades perdidas de mudar o país.
Mais uma vez, os atrasados querem dirigir os modernos. Não que toda a direita se identifique com cenários de atraso e miséria. Existem bolsões de modernidade até mesmo nas áreas da direita. Mas a verdade é que temerosa das alternativas de mudança, que nas eleições se apresentam com o nome de Lula, toda a direita busca se unir. Mais uma vez, tenta-se cooptar os demais setores que deles se aproximem.
Nada mais parecido a um conservador do que um liberal no poder –dizia-se no segundo reinado. O trágico cacoete da história brasileira encontra mais um exemplo na aliança entre o PSDB e o PFL. À parte as explosões de irritação no PSDB da Bahia, o que se vê por toda parte é o maior entusiasmo. Até mesmo no PSDB de São Paulo, quem diria hein?!
As versões podem ser diferentes. Encontramos a fórmula para viabilizar Fernando Henrique, diz-se no PSDB. Encontramos a fórmula para enfrentar o Lula, dizem os conservadores à sombra do PFL. Antônio Carlos, que disputa com Paulo Maluf a direção política da direita, oferece a perspectiva geral. E a mistura, já se sabe, implica injetar na candidatura de Fernando Henrique um forte contrapeso conservador. Antônio Carlos não é só um nome, é emblema de um segmento do poder estabelecido, um pedaço da Bahia e do Nordeste, sobretudo a velha Bahia e o velho Nordeste. É uma imagem do "Brasil profundo", que, já sabemos, não tem só charme para os que nos visitam. Tem também toda uma corte de desigualdades, privilégios, misérias e violências.
É este o caminho que Fernando Henrique imagina possível para a modernidade e para a democracia? A depender de mim, o PSDB pode se aliar com quem bem entender. Uma aliança com o PFL só pode significar a descaracterização do PSDB como agremiação social-democrata e, portanto, mais espaço para o meu partido, o PT. Também não me coloco entre os que cobram de Fernando Henrique coerência, ética ou teórica. Cobranças desse tipo implicam processos de intenção, com frequência injustos e, no mais das vezes, apenas enfadonhos e inúteis.
Meu ponto é outro. Eu acredito que a aliança conservadora de Fernando Henrique vai descaracterizá-lo como político, e nem por isso vai levá-lo à vitória. Depois de nadar heroicamente, como ministro, para viabilizar seu plano de estabilização, como candidato está condenado a morrer na praia. Se conseguir passar para as massas pobres do país a imagem de campeão da luta contra a inflação, estará qualificado em votos para chegar ao segundo turno.
Aí é que são elas. Seu plano viabiliza sua candidatura entre as elites mas, evidentemente, não lhe assegura vitória entre as massas. No segundo turno, terá Lula pela frente, um campeão da luta social. E terá de enfrentá-lo carregando Antônio Carlos e todos os outros conservadores. Acredito que isso vai prejudicar enormemente sua credibilidade popular quando disser que quer acabar com a miséria no país. Pode acontecer a Fernando Henrique o pior que pode ocorrer a um político: mudar de imagem e perder.
Mas consideremos que ele se eleja presidente. Se o seu objetivo é mudar o país, como fará para mudar as suas próprias bases de apoio? Se quer a modernidade, como fará para mudar o atraso do qual se alimenta? E se não mudar esta parte enorme do atraso no qual se apóia, como fará para mudar o país?
Eis o prenúncio daquilo que pode vir a ser, para o próprio Fernando Henrique, a pior das derrotas. Muda o governo mas o país permanece o mesmo. Não seria apenas a derrota de um líder. Seria a derrota do Brasil que perderia, uma vez mais, a oportunidade de mudar.

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