São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
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Os hospitais, a URV e o real

PAULO YOKOTA

A presente segunda fase do atual plano econômico do governo obriga a todos que são responsáveis por parcelas do setor de saúde a uma profunda reflexão e clara definição de suas posições.
Não é preciso enfatizar o total descalabro em que se encontra os hospitais públicos. Os parcos recursos que lhes eram destinados foram corroídos pela inflação. Até as poucas parcelas que estavam sendo arrecadadas juntamente com as do sistema previdenciário foram criminosamente canalizadas para atender aos aposentados, que contavam com um poder político mais eficiente.
Os responsáveis pelo setor de saúde, mais interessados nas suas relações corporativistas, não se mostraram capacitados para a disputa pelos recursos, e nem de compreender adequadamente os problemas econômicos do setor.
Assim, todos os hospitais que dependem dos recursos públicos, como os do sistema SUDS, estão falidos. Alguns ainda estão consumindo os patrimônios que acumularam no passado. E todos os profissionais ligados ao setor, principalmente os médicos, estão sendo sacrificados.
As atuais vagas promessas de "urvização" dos recursos destinados ao setor de saúde deverão encontrar grandes obstáculos, pois os orçamentos públicos foram proibidos, taxativamente, de utilizarem este indexador.
Com a falência do setor público de saúde, registra-se uma sobrecarga na rede hospitalar privada. E com as dificuldades econômicas da população, os atendimentos de caráter particular foram fortemente reduzidos, fazendo com que os hospitais passassem a ter uma forte dependência da medicina em grupo, os comumente chamados convênios, na forma de planos de saúde, seguros saúde ou autogestões.
Os empresários mais eficientes do setor de saúde descobriram que dentro de um processo inflacionário os segmentos mais rentáveis eram os de marketing e de financiamento. Organizaram empresas de medicina de grupo, que cresceram substancialmente. Mas nem sempre consideraram adequadamente os aspectos atuariais que envolvem estes segmentos. E o poder público não foi capaz de regulamentar, com cautela, preservando os interesses da economia popular de prazo mais longo.
Hoje, constata-se que dos elevados resultados colhidos nos períodos iniciais dos planos não se constituíram reservas adequadas. Os lucros aparentes foram distribuídos. Os empresários mais responsáveis contiveram o crescimento dos planos, e muitos já se transferiram para o segmento de seguros saúde, onde os riscos são adequadamente limitados e existem regulamentações para as constituições de reservas técnicas.
Os demais, que já entraram na fase em que os custos são crescentes e as contribuições declinantes, vivem de expedientes financeiros ou de agressivas campanhas para evitar o envelhecimento da população atendida.
As empresas de medicina de grupo foram, ainda que temporariamente, beneficiadas com o recrudescimento do processo inflacionário, pela brutal elevação da taxa de juros e pela incapacidade de adequada negociação dos dirigentes dos hospitais. Predominam, entre os últimos, aqueles que estão legitimamente mais preocupados com a qualidade da medicina, do que seus aspectos econômicos e financeiros.
Os hospitais que deveriam ser considerados os sustentáculos fundamentais do sistema de saúde, juntamente com os seus corpos clínicos, estão relegados hoje a um segundo plano. A extensão atingida pelas instituições de medicina de grupo transformou-as, na opinião de muitos, no setor prioritário do setor de saúde.
Os estudos existentes demonstram que as tabelas de preços praticadas pelos hospitais, que não incluem os custos financeiros, sofreram, em média, deteriorações reais de cerca de 15% nos últimos dois anos. Ao mesmo tempo, os hospitais que recebem, em média, 30 dias após seus faturamentos mensais, sem nenhuma correção monetária, sofreram quedas adicionais de cerca de 25% reais nos seus faturamentos.
Portanto, hoje os hospitais recebem cerca de 60% real do que recebiam há cerca de dois anos atrás, ou seja, perderam 40% do seu faturamento real, quando considerados os mesmos volumes de trabalho.
Como os hospitais pagam aos seus médicos após o recebimento, estes profissionais foram transformados em meros proletários. Isto explica parte da indignação atual desta classe.
As informações disponíveis dão conta de que poucas empresas de medicina em grupo conseguiram aumentos reais de seus contribuintes, mas muito menos reduziram seus preços para os participantes. No entanto, a existência de uma grande defasagem entre os recebimentos dos participantes e os pagamentos para os hospitais, possibilitou um ganho financeiro das aplicações, que nos últimos dois anos chegaram a mais de 40% real. Isto, por sua vez, permitiu disfarçar as dificuldades de algumas e proporcionar lucros adicionais a outras.
Dentro deste quadro, as propostas para cristalização da atual situação, dentro do processo de "urvização", soam ridículas. A idéia de consolidar a presente calamidade é ofensiva à inteligência dos seus autores. Mesmo a mera partição das perdas dos hospitais não é aceitável, quando outros lucraram com a inflação e os juros.
Esta fase da URV é transitória, e os autores do plano a entendem como necessária para e eliminação de distorções de defasagens como a dos hospitais. E todos desejam que após a introdução da nova moeda, o real, não subsistam tensões distributivas desnecessárias. E os problemas na fase do real são mais relevantes.
Os economistas entendem que a taxa de juros deverá continuar elevada, no mínimo por determinado período de tempo, e que, mesmo com o real, ainda haverá alguma inflação.
Assim, é preciso prosseguir no processo de encurtamento dos períodos de faturamento, e redução dos prazos para pagamento dos hospitais.
Como o custo da medicina é crescente em termos reais, por muitos motivos, é preciso criar mecanismos que permitam a sobrevivência dos hospitais também a médio e longo prazos.
Certamente os hospitais terão de fazer tudo que as demais empresas privadas estão executando com grande sucesso no Brasil. Racionalização da utilização de seu quadro de funcionários, uma maior terceirização de muitos de seus serviços, a aceleração da adoção de técnicas de controle total de qualidade, além de evitar depender de financiamentos bancários. Novas técnicas de atendimento, de menor custo unitário, deverão ser adotadas.
Além de tudo isto será indispensável dotar a categoria dos hospitais privados de melhor representação dos seus interesses, de forma a recuperar a imagem de sustentáculo básico do setor de saúde, que merece a prioridade devida.
Muitos dos hospitais possuem algum tipo de plano de saúde. A conglomeração de muitos destes planos, já reformulado na forma de seguro saúde, por uma entidade controlada pelos hospitais, e que não tenha fins lucrativos, poderia ser uma alternativa que deve ser considerada a fim de reduzir a atual dependência dos hospitais em relação aos grupos de saúde em grupo.

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