São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
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A revisão ainda pode ser salva

LUÍS NASSIF

Não tem cabimento o adiamento da revisão constitucional. O relator Nelson Jobim e o sub-relator Gustavo Krause são autores de um trabalho profundo e patriótico, cuja fraqueza está na tática política adotada –mas que ainda pode ser revertida.
Nos últimos meses, reuniram-se com as principais forças modernizantes do país –de sindicatos a entidades empresariais–, preparando um relatório a salvo de pressões corporativistas e de negocistas. Mas não cuidaram de montar a base de apoio adequada.
Se o objetivo final é justamente livrar o Estado do loteamento político e cartorial, como pretender restringir a guerra ao âmbito de um Congresso dominado pelos beneficiários do modelo?
A saída consiste em organizar rapidamente a defesa da revisão entre as forças modernizadoras da sociedade civil, imobilizadas por falta de informações e por uma covardia generalizada que, dentro e fora do Congresso, impede o país de romper com o atraso.
Há exemplos abundantes dessa covardia.
Mesmo sob o risco do partido assumir um país ingovernável no próximo ano, a executiva do PT proibiu seus deputados de participarem da revisão, por temer expor as divergências internas.
Há líderes sindicais modernos –da CUT e da Força Sindical–, que se reuniram secretamente com o relator, visando mudar a legislação trabalhista. Secretamente! –mesmo sabendo-se que dessa mudança depende a modernização das relações trabalhistas, e a montagem de um pacto desenvolvimentista que tire o país dessa miséria vergonhosa.
No âmbito da própria Petrobrás, há figuras de peso que reconheceram a este colunista –sob o compromisso do sigilo de fonte– que a flexibilização do monopólio e a transformação da empresa em uma sociedade de capital aberto, com controle pulverizado entre fundos sociais, ajudariam a deflagrar um processo irresistível de modernização da companhia.
Irresponsabilidade e covardia
O fim de abusos, como os cometidos pelo Congresso e o Poder Judiciário na semana passada, também depende da revisão. Assim como depende dela a criação de um ambiente favorável à volta do crescimento econômico.
No entanto, muitos setores precisaram defender suas posições secretamente. Tudo porque entidades que deveriam ter responsabilidade perante a nação –como a OAB, ABI e CNBB, e outros "donos" da sociedade civil– em vez de defenderem claramente suas posições, e denunciarem topicamente propostas que eles considerarem lesivas aos interesses nacionais, recorreram à desonestidade intelectual de qualificar todo defensor da revisão como negocista e a revisão genericamente como um atentado aos direitos civis. Oportunistas irresponsáveis!
Tem-se agora o resultado desse jogo político interesseiro, que não poupa nem togas, nem penas, nem batinas: o modelo montado pelo relator não permitiu a atuação dos negocistas. Tanto que eles preferiram se ausentar.
E onde estão os patriotas? Com seu patrulhamento primário, que visava apenas recuperar um espaço político que perderam, em virtude de seu discurso anacrônico, essas entidades estão ajudando a perpetuar a desonestidade, a falta de limites e de respeito no trato com o dinheiro público.
Romper a inércia
Os melhores políticos e intelectuais de esquerda sabem da importância da revisão como instrumento de controle do Estado. Mas temem o patrulhamento. A parte mais lúcida dos partidos de direita já aderiu à idéia das reformas econômicas e políticas. Os setores mais modernos do sindicalismo e do empresariado anseiam pelas mudanças.
Falta mobilização para romper com a inércia e completar essa dura travessia rumo à modernidade. O relator precisa sair da casca. Nas próximas semanas resuma suas principais propostas –que ainda podem ser salvas do incêndio–, articule-se com as lideranças parlamentares, mas trate de organizar adequadamente sua comunicação com a imprensa e com as lideranças civis comprometidas com a modernização. Organize seminários de esclarecimento para obter a adesão geral. E deflagre-se a última batalha para se derrotar o atraso, dentro de um ambiente democrático.
Se não for bem-sucedido, pelo menos ajudará a expor claramente, para a opinião pública, quem está do lado da cidadania, e quem utiliza argumentos pretensamente sociais apenas para perpetuar privilégios ilegítimos.

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