São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
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Você é o esperto ou o tímido ?

ALEX PERISCINOTO

Você é o esperto ou o tímido?
Esse anúncio que reproduzimos hoje entra para a lista daqueles que eu gostaria de ter feito. Publicado na Inglaterra, ele foi criado pela dupla John Pallant (redator) e Bill Gallacher (diretor de arte), os primeiros de uma série de pessoas que serão homenageadas nesta matéria.
O título do anúncio diz: "Por que o professor deve perguntar para a criança da direita?". A foto mostra duas crianças: o menino do lado esquerdo é espertinho e está com o braço levantado para responder uma pergunta. Já o do lado direito, ao qual o título se refere, é (ou está) visivelmente tímido. E é aí que está a beleza do anúncio: de cara eu me identifiquei com o menino da direita (direita da foto...). Com certeza, muitos outros leitores também se identificaram. Pois é justamente a identificação que faz a felicidade de uma peça de comunicação. Mais eficaz a comunicação quanto maior identificação ela conseguir com o seu público alvo.
Mas depois, lendo o anúncio, a gente descobre ainda mais coisas incríveis, na delicada sensibilidade e, ao mesmo tempo, forte apelo publicitário. Para começar, o motivo do anúncio já é sensacional: ele foi criado para incentivar ingleses a ingressarem na carreira de professor. No rodapé do anúncio há um cupom para o candidato enviar que deixa claro que o interessado não precisa ser professor formado, porque há um forte treinamento; pode ser também um estudante secundário, universitário ou formado em outras áreas que não necessariamente educação. O cupom abre espaço também para que o candidato indique a sua área de interesse, se ensino primário ou secundário, e qual a matéria.
Outra coisa que chama a atenção: o texto. Ele se preocupa em esclarecer porque o garoto da direita merece uma atenção especial do professor. E só no final abre o convite para a carreira de professor. Se essa preocupação toda está escrita no anúncio, imagine o que acontece de fato nas escolas inglesas. Em propaganda, a gente só descreve as características do produto. E, pelo jeito, esses cuidados com o tímido são apenas um exemplo do treinamento que os professores ingleses recebem.
Bom, a essas alturas, o anúncio já começa a remeter a minha mente a outros lugares, mais especificamente aqui ao nosso país, e à esperança de um dia dia chegarmos lá. Esperança de um dia ver publicado um anúncio como esse, pedindo professores para uma rede brasileira de ensino público totalmente estruturada, onde não haja evasão, com crianças que tenham condições de aproveitar ao máximo toda a dedicação e o ensinamento dos professores. Como faz este anúncio.
E não é só isso. Fico incomodado de ver nas universidades, em especial nas públicas, a desproporção entre os alunos egressos de escolas privadas (que poderiam até pagar uma faculdade) e os que vieram de escolas públicas.
Tudo bem que não são só os problemas da educação no Brasil (e a inevitável comparação com os ingleses) que este anúncio traz à mente. Há algumas soluções brasileiras nesta área que também devem ser lembradas. Por exemplo: o crédito educativo. Sempre imaginei que o calote a este crédito fosse gigantesco, por parte dos beneficiados. Pois, para minha surpresa, segundo informação do diretor do MEC, Wanderley Carlos do Nascimento, o retorno deste crédito educativo é de 100%. Quer dizer: depois que estudaram, todos pagam o financiamento? Nada disso: tem um seguro que paga. Mas, mesmo assim, o crédito educativo não deixa de ser uma boa notícia.
Em compensação, diante de um anúncio como este você pensa como será a vida de um professor na Inglaterra, sabendo como vivem os nossos professores. Aí vem mais uma tristeza: enquanto na Inglaterra o salário médio de um professor estadual gira em torno de US$ 1.865 por mês, no Brasil não chega a US$ 200.
Mas, se Deus quiser, um dia a gente chega lá.
Por enquanto, fica aqui a minha homenagem aos professores. Uma profissão que eu invejo porque nela a colheita do que se planta no trabalho é a maior gratificação que alguém pode ter. Mas que, nem por isso, deveria ter a remuneração que tem. E, finalmente, voltando ao anúncio, a minha homenagem a todos os alunos tímidos, como aquele do lado direito da foto. Crianças que têm que se virar à sua maneira para estudar, sem que ninguém se preocupe especialmente com elas. Até que percebam, sozinhas, que quem não tem dinheiro, precisa ter idéias. E quem não tem escola, precisa perguntar. Porque mais vale o que se aprende, do que o que se ensina. Por isso que eu perdi a vergonha de perguntar.

ALEX JOSÉ PERISCINOTO, é presidente da agência Almap/BBDO.

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