São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
Texto Anterior | Índice

Jovens devem crescer para ter algo a dizer

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nelson Rodrigues, numa semana da TV Cultura e, definitivamente, na lista diminuta dos grandes autores da literatura patropi, autores de personagens contraditórios, ou melhor, sombrios, que enganam nas aparências, mas não escondem do leitor atento a sombra à beira do abismo. A lista é grande: Brás Cubas, Bentinho, Capitu, Policarpo Quaresma, Macuncoso, Riobaldo, Diadorim, Macunaíma, João Miramar, nomes que, vira e mexe, estão presentes numa pergunta de vestibular.
Lá vou eu novamente, o insistente ululante, voz solitária contra este patético sintoma de subdesenvolvimento: o vestibular. Onde está o pavor da loucura de Alaíde e Madame Clessi, de "Vestido de Noiva", o incesto de dona Senhorinha, de "Álbum de Família", ou o lesbianismo de sua filha Glória? Nelson Rodrigues não é tema de vestibular. Para os sábios iluminados da Fuvest e variações, teatro e cinema pertencem à categoria de gênero inferior. É a prova definitiva da existência de "cretinos fundamentais".
Existem exageros no culto a Nelson Rodrigues. Falou dúzias de besteiras, como "as mulheres normais gostam de apanhar", e gastou um tempo precioso defendendo o regime militar; dizia-se um amante da liberdade, por isso, um anticomunista convicto. O criador de personagens geniais enxergava a conjuntura brasileira com os olhos opacos e superficiais de um militar. Livrar o país do "jugo vermelho" foi uma justificativa pobre para anos de censura, perseguições a sindicalistas, estudantes, professores universitários, gente da classe teatral, músicos, políticos e até religiosos, sem contar a implantação da tortura e do desaparecimento político como táticas de guerra. Nem a prisão de seu filho Nelsinho, ou a censura de suas peças, foram capazes de dissimular a bobagem de que tal ditadura traria liberdade. Muitas de suas idéias não deveriam ser levadas tão a sério, tal qual as falas de um personagem rodrigueano, um experimento da contradição humana.

* Sobre os jovens, Nelson dizia: "Cresçam!", ou então "O jovem tem todos os defeitos do adulto, mais um: o da inexperiência". Desculpe meu caro teen, mas concordo com ele. Caindo no pecado da generalização, os jovens têm alguma coisa para dizer?

Texto Anterior: O QUE É CURDISTÃO?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.