São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
Próximo Texto | Índice

Lula apanha do PT

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Há certas verdades que parecem piada. Eis uma delas: O PT não nasceu para fazer um presidente. Do mirrado PC do B ao opulento PMDB, todas as legendas sonham com o poder. Todas menos o PT. E direi mais: o Partido dos Trabalhadores não pode sequer liderar pesquisas eleitorais. O simples favoritismo de Lula tira o sossego do seu partido.
Quer ver uma briga? Pois reúna na sala de sua casa mais de três petistas. Antes de servir aquela cervejota gelada, seja simpático. Diga que Lula está praticamente eleito. Em seguida, puxe conversa. Proponha um tema ameno: o programa de governo petista. Ah sim, ia me esquecendo. Antes, providencie para que todos os cristais e demais peças de valor sejam retiradas do ambiente. Organize-se para o pior.
Com a vitória a beijar-lhe os calcanhares, o PT decidiu organizar-se. Resolveu oferecer ao país uma proposta de governo. O objetivo era atrair aliados. A iniciativa gerou um inferno. Antes o PT estivesse até hoje mergulhado na improvisação. Ou por outra: antes tivesse feito opção preferencial pela desorganização. Cada linha do tal programa corresponde a uma batalha campal. A proposta não atraiu ninguém. E insisto: afastou o PT de si mesmo.
A última batalha da guerra particular do PT envolve duas das tantas idéias que o partido deitou no papel: a legalização do aborto e o reconhecimento de casamentos entre gays. A primeira proposta é uma necessidade. A segunda, uma fatalidade. São duas teses, portanto, corretíssimas. Ainda assim, houve confusão. A ala carola do partido rebelou-se. A Igreja, aliada histórica, indignou-se.
O PT de hoje é assim, erra mesmo quando flagrado no mais jucundo acerto. O partido atingiu um estágio que chamaria de fase da burrice. Os outros duelam entre si. O PT briga consigo mesmo. Os demais candidatos são alvejados pelos inimigos. Lula apanha também em casa.
Voltamos à anedota do início: o PT não veio ao mundo para fazer um presidente. Se o filho de Deus retornasse amanhã à Terra e, travestido de garçom, oferecesse a Presidência a Lula, o exército petista o crucificaria novamente. Jesus precisaria mendigar, de petista em petista: "Por favor, aceitem o poder." Os militantes, inflexíveis: "Não, obrigado. Ainda não definimos o nosso programa."

Próximo Texto: Rios e trilhos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.