São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
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Sair ou sair

JORGE DA CUNHA LIMA

Algumas pessoas de bem acham que a permanência de Fernando Henrique no Ministério da Fazenda é fundamental para o plano de estabilização. Essas mesmas pessoas consideram que ficar, nesta hora dramática da economia nacional, constitui um galardão, a lustrar ainda mais sua biografia de homem público. Ouso pensar e afirmar o contrário. Se FHC permanecer no ministério, diminuem consideravelmente as condições de sucesso do plano.
Vejamos. A partir de 2 de abril, o país será impulsionado apenas por uma realidade política: eleições 94. Fora dessa realidade não se exerce o poder nem se mobilizam os interesses. Fora das agendas e das perspectivas presidenciáveis, qualquer CPI parecerá um espetáculo monótono, quanto mais um plano econômico de visíveis contenções da libido eleitoral.
Se Fernando Henrique permanecer no governo, o mesmo governo, sem um candidato forte, ficará, mesmo com ele no ministério, um governo mais fraco. E governo, nessas condições, em ano eleitoral, após as convenções partidárias, não costuma emplacar plano nenhum.
Com FHC candidato, e candidato forte, atuando no Congresso junto aos seus pares, e acionando a opinião pública, no contato direto com as populações, o plano de estabilização, paradoxalmente, produzirá um interesse prospectivo e, portanto, a dimensão política indispensável à sua implementação.
No poder, não candidato, a voz de FHC será necessariamente ofuscada pela voz de qualquer um dos candidatos viáveis. Nessa hipótese, FHC assistiria academicamente o debate dos outros. Esses outros não teriam nenhum interesse em apoiar um plano que não fosse o próprio. Lula, Maluf etc. têm seus planos, promessas e devaneios, e com esse cardápio devem enfrentar as eleições.
No ministério, FHC mostrou o que sabe e o que sabe fazer, criou, dialogou, negociou e conduziu a emergência de soluções fiscais capazes de amenizar a crise aguda, lutou ferozmente pelo zeramento do déficit público, impôs respeito, fez os acertos externos e internos, indispensáveis.
Em campanha, deixando a boa equipe que já formou no governo, FHC se tornará um agente potencializador do plano e da esplêndida promessa de concluir a sua execução, na dimensão mais ampla das grandes reformas estruturais que a nação exige, se for eleito. Nós todos sabemos que as águas de março, lançadas pelo ministro, embora fecundas, constituem apenas as pré-condições para as transformações que a nação precisa, no plano institucional, econômico, político e cultural, para viabilizar-se, no contexto contemporâneo do mundo, antes do fim do século.
O ministro sabe que somente uma ação contínua, obstinada, de um mandato inteiro, tão moral quanto competente, será capaz de acrescentar mercado a uma economia apenas nominalmente de mercado, de acrescentar cidadãos a um contexto político no qual o exercício da cidadania ainda é um privilégio, além de promover uma distribuição mais equitativa de rendas, justiça e oportunidades. E esse é o verdadeiro desafio do futuro presidente.
O Brasil não aguenta mais uma solução de continuidade. Deixar de competir, é deixar de antemão o poder para o outro, que é sempre uma espécie de vice antecipado.
Ano eleitoral é ano de jogo político. Impossível ganhar fora do jogo. E jogar, quando se tem consciência clara da utilidade de uma participação no risco da disputa política, é muito mais ético do que deixar o bonde passar, com todos os personagens que conhecemos e execramos, dentro.

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