São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
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O dilema de Fernando Henrique

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A implantação do plano econômico do governo federal exige uma grande dose de bom senso e uma fantástica capacidade de equilíbrio para enfrentar as pressões de sindicalistas, empresários, políticos, servidores públicos e pessoas lesadas.
Após um correto diagnóstico de que a inflação zero eliminaria a necessidade de financiamento do Tesouro Nacional pelo Banco Central e de que as reservas excessivas do Brasil permitiriam a administração de um plano indicativo para a sociedade, assim como após inúmeras promessas e discussões com a sociedade, produziu o governo federal um "Plano Cruzado" mais sofisticado, mas com imposição de rígidas regras e perdas administradas a trabalhadores, preços privados e mercado financeiro, sobre acenar com um arsenal "policialesco" de medidas para garantir a sua implantação.
Se correto o diagnóstico de que o "déficit" zero permite a adoção de uma política fiscal, o certo é que tal meta foi obtida pelo caminho errado do aumento de receitas tributárias retiradas de uma sociedade que, nas leis, tem a mais alta carga tributária do mundo, e não pela redução de despesas e enxugamento da máquina estatal, como fizeram os demais países da América Latina que venceram a inflação.
O diagnóstico correto e a execução errada terminaram por gerar uma inflação de custos –com repasse do aumento da carga para os preços– que, aliada à desconfiança da capacidade do governo em cumprir o prometido, acabou por acelerar o processo, desde seu anúncio oficial, em meados de outubro, até a sua juridicização, em 28 de fevereiro de 1994.
Por outro lado, das promessas de que o plano não obrigaria ninguém a adotar a URV –pois a confiança do mercado levaria naturalmente a esta conduta– à sua prática –em que a adoção não só se tornou obrigatória, como a ameaça de prisão de empresários passou a garantir tal imposição–, percebe-se que o próprio governo não acredita que o mercado acredite no governo, porque, de certa forma, o governo não acredita nele próprio.
À evidência, o plano atual é melhor do que os anteriores. É mais flexível o "congelamento" em URV e esta indexação, quando impregnar a quase totalidade da economia, poderá ser transformada em real com a eliminação da inflação em um dia. Os fiscos das diversas entidades federativas, por outro lado, ganharam maturidade e decidiram não se apropriar do diferencial em cruzeiros reais para servir de base de cálculo para os respectivos tributos e as reservas em dólares poderão corrigir qualquer distorção média do mercado, provocada por quem queira especular com divisas.
A "inflação zero", todavia, descompassará os bancos estaduais, exigindo socorro do governo federal, reduzirá receita tributária sobre a inflação prevista no Orçamento, reduzirá os lucros que o governo tem com a inflação –já que é também investidor– e poderá provocar reincidência do "déficit", se a manutenção de sua paquidérmica máquina estatal como o sonolento processo de privatização pressionarem mais o Tesouro na coluna das despesas do que pode suportar sua capacidade de compensar as perdas com a inflação.
E, à evidência, o abuso dos senhores parlamentares em aumentar seus próprios vencimentos, que deveria ser punido da mesma forma que se pretende punir os aumentos abusivos de preços, em nada auxilia o plano.
Neste quadro, alguns setores que perderão com o plano, ou seja, aqueles com preços competitivos defasados, aqueles que forem policialescamente contidos para efeitos da mídia governamental, as tarifas não atualizadas, os investidores confiscados nos seus investimentos por força do artigo 36 da MP 434/94 e os trabalhadores que se sentirem prejudicados, poderão exercer pressão política, econômica e jurídica, tornando mais difícil a administração do combate programado à inflação.
O que mais me preocupa, entretanto, é a saída do ministro. Se candidato, será ele a vítima predileta dos ataques de seus adversários. Lula, porque não o desejará no 2º turno. Maluf, Brizola e Quércia porque querem ser o 2º colocado para o 2º turno. Assim, os quatro candidatos desejarão o fracasso do plano, única forma de angariarem para si a crescente simpatia que o ministro começa a adquirir entre os eleitores brasileiros.
Em outras palavras, para que Lula, Maluf, Quércia e Brizola tenham chances, é necessário que o plano fracasse, pois o fracasso do plano levará de roldão seu principal articulador. Desta forma, PT, PPR, PMDB e PDT poderão aliar-se, informalmente, para a derrota do plano na busca de melhores chances na eleição.
Creio seja este o maior problema, embora acrescente um outro, qual seja, o de que o sucessor do ministro não tenha, junto ao presidente, o mesmo tratamento que Fernando Henrique, o que poderá levar o chefe do Executivo –conforme sejam os dias pares ou ímpares– a tomar decisões diversas do que tomaria se Fernando continuasse como ministro.
Os próximos dias serão decisivos para o plano e para o Brasil, que tendo hoje, no ministro da Fazenda, um bom candidato à Presidência, poderá ter no candidato a presidente um mau executor do plano.

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