São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
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O poder e seu controle

DYRCEU AGUIAR CINTRA JUNIOR

O poder e seucontrole
No Estado moderno, o tradicional conceito de tripartição de poderes, independentes e harmônicos, se tornou insuficiente à realização da democracia. Hoje é clara a noção de que o agir do Estado, por seus poderes formais, se manifesta, basicamente, preenchendo duas funções: de governo e de controle deste. Ademais, a fiscalização da atividade pública não é exclusividade da classe política, dela devendo participar a sociedade civil.
À tal realidade não escapa o Judiciário, que governa a estrutura pública de acesso à Justiça.
Mas de que controle se poderá falar se decisões de juízes são manifestações de liberdade que só podem ser controladas internamente e por critérios jurisdicionais (recursos), que não implicam censura, mas revisão democrática?
Creio deva ser atribuição de órgão composto também de pessoas de fora do Judiciário, em primeiro lugar, propor e acompanhar, fiscalizando, os procedimentos administrativos internos. Não funcionaria como instância decisória; teria funções investigativas e propositivas. Estaria incluído em tal atividade tudo que diz respeito a faltas funcionais, promoções e remoções de magistrados - cuja atuação em processos permite a publicidade.
Se tal serviço de verdadeiro ombudsman tornasse os procedimentos administrativos também transparentes, pouco espaço haveria para a proteção corporativista -não afastada pela fórmula de controle interno horizontalizado proposto por Luiz Flávio Gomes (Folha, 14/11/93)- ou para o desvirtuamento do interesse público em decorrência de centralizações das cúpulas - que persistiriam, se tudo continuar como está.
Mas o conselho externo haveria de ter outras atribuições, essas decisórias. A ineficácia dos tribunais na modernização da estrutura e traçado das políticas judiciárias é preocupante e tem gerado até o fenômeno da privatização da Justiça, especialmente na periferia das grandes cidades. É necessário órgão de planejamento que identifique as prioridades, fiscalize a distribuição de processos aos juízes e cobre respeito ao princípio do juiz natural.
Não tenho dúvidas, porém, de que há certa razão para temor, não só dos juízes, mas da sociedade. Fiquemos todos atentos para que não se crie um órgão marcado pela elitização, sem efeito de resgatar a transparência e a noção de serviço público que devem orientar a atividade global do Judiciário. Ou que se crie uma forma de controle muito pior, embora interna: o engessamento da atividade racional do juiz por súmulas de jurisprudência dos tribunais superiores, que aqueles que se arvoram em donos da revisão constitucional querem tornar vinculantes.

DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JUNIOR, 38, é juiz da 2ª Vara Criminal de São Paulo e membro do Conselho de Administração da Associação Juízes para a Democracia.

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