São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
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O dilema da carga tributária

JOSÉ FERNANDO BOUCINHAS

No Brasil, é o consumo que responde por mais de 60% da receita tributária
São inúmeras as queixas contra a excessiva carga tributária no Brasil. O setor produtivo é um dos que reclamam frequentemente dos elevados impostos que reduzem a competitividade interna e externa dos produtos brasileiros. Apesar disso, a cada ano o governo se vê impelido à penosa tarefa de obter recursos adicionais para fechar seu balanço, sempre negativo por força do desequilíbrio entre receita e despesa.
São três os caminhos clássicos para corrigir tal desequilíbrio: aumentar a carga tributária, aumentar a eficiência do gasto público e, por fim, compatibilizar as atribuições do Estado com sua realidade.
Tem-se seguido normalmente no Brasil o primeiro caminho, o mais fácil, mais cômodo e mais elementar. Com pomposos apelidos, tipo ajuste fiscal, cobra-se sempre do contribuinte o pagamento da conta, mesmo porque, existe na mente dos tecnocratas a idéia de uma infinita elasticidade no bolso do contribuinte brasileiro para suportar as frequentes majorações de impostos.
Eles levam em conta dados comparativos da carga tributária do Brasil com outros países, a qual, entre 1984 e 1992, manteve-se ao redor de 22% do PIB. Um percentual maior que os demais países latino-americanos (18% do PIB), mas ainda abaixo dos países industrializados europeus (32%).
Deve-se considerar esta comparação como meramente ilustrativa, diante da expressiva diferença entre o Brasil e os países da OECD, na questão tributária, e em termos de infra-estrutura entre o Brasil e os demais países latino-americanos.
Enquanto na Europa os impostos sobre a renda e a propriedade correspondem a dois terços da arrecadação, no Brasil é o consumo que responde por mais de 60% da receita tributária. De outra parte, a infra-estrutura brasileira sempre foi bem superior aos seus vizinhos hispânicos. Basta atentar-se para o crescimento de 7,3% na produção brasileira de energia, entre 1980 e 1991, em relação ao México (1,2%) e ao Chile (3,1%).
De qualquer forma, agem os tecnocratas como se o contribuinte brasileiro ainda pudesse suportar por mais algum tempo a fúria fiscal do governo, mesmo que ela provoque perdas de arrecadação, por tornar inviáveis alguns setores produtivos. Mas, com certeza, este caminho da derrama logo encontrará um fim, até por pressão de imposições políticos e sociais.
O caminho da eficiência do gasto público, o segundo caminho na concepção clássica, não traz resultados no curto prazo. Por isso, não serve como solução emergencial para o equilíbrio das contas públicas, até pela falta de vontade da classe política para enfrentar as consequências desta alternativa.
Deve-se atentar pois para o terceiro caminho, ou seja, aquele que leva ao redimensionamento do Estado e sua compatibilização com a realidade econômica do país. Nos últimos anos, as populações têm exigido do Estado brasileiro melhor qualidade e condições de vida, forçando-o a assumir responsabilidades que ultrapassam sua capacidade de atendimento. Lutam-se pelos benefícios, esquecendo-se que eles custam dinheiro, que demandam recursos.
Imagina-se e exige-se que o Brasil seja um "Welfare State", nos moldes de um Estado de bem-estar social europeu, sem que se criem as condições para tal. Se não bastasse o Estado brasileiro viver sufocado pela sua presença ostensiva em atividades produtivas que não lhe dizem respeito, vieram colocar para ele um nível de exigências inatingíveis, na Constituição de 1988.
O artigo 196, diz que a "saúde é direito de todos e dever do Estado". Diz o artigo 205 que a educação é "um direito de todos e dever do Estado e da família". Acrescenta, no artigo 208, estabelecendo que o "dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia do ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos, inclusive os que a ele não tiverem acesso na idade própria".
Adicionalmente, demanda-se do Estado a implantação e manutenção da infra-estrutura de transporte, saneamento, energia e comunicações. O amadurecimento da consciência ecológica, por sua vez, atribuiu-lhe responsabilidades antes não cobradas.
O tamanho do Estado e a atuação que se quer dele devem ser referenciais em qualquer discussão sobre esta questão da carga tributária. Na verdade, não há mecanismo não-inflacionário para financiar todas as obrigações que se quer que ele cumpra, inclusive as fixadas na Constituição. Há, como se vê, uma necessidade de redefinir as atribuições do Estado brasileiro à luz de sua realidade.
A tarefa de definir melhor as atribuições na área social é ainda mais premente, quando de observam experiências internacionais dos "Welfare States". Praticamente todas as economias avançadas e as antigas economias socialistas realizam reformas para tornar os Estados menos intervencionistas e menos paternalistas.
Têm surgido duas tendências: a menos radical, propondo reestruturar os serviços e oferecê-los de uma maneira mais competitiva, em parceria com o setor privado, mas sem a redução da carga tributária. A outra tendência, mais radical, propondo diminuir conjuntamente a arrecadação e os serviços oferecidos pelo Estado. Sem entrar no mérito de cada uma, as duas apontam para um rumo que se presume certo.
Para tornar-se realmente eficiente, o Estado brasileiro precisaria desobrigar-se de muitas de suas atribuições atuais e ainda abolir subsídios onerosos, como estão fazendo países a exemplo do Japão, onde a política dos subsídios alcançou certo sucesso. Daqui para a frente, também, vai-se estreitar o caminho do arrocho tributário, dificultando sua reiteração crônica e a sociedade como um todo terminará por exigir soluções mais abrangentes, contemplando os três caminhos do equilíbrio com ênfase para a redefinição das atribuições do Estado.
Quem pensar ao contrário, não estará apenas incorrendo em equívoco, mas transferindo um gigantesco problema para as gerações futuras.

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