São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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Torcida de Recife preserva o mito da seleção brasileira

ALBERTO HELENA JR
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

Acordei num salto, com o Lula invadindo o meu quarto e bradando: "Companheiros!" Quer dizer, não era exatamente o Lula em pessoa. Mas uma voz muito parecida com a dele (ou seria o Vicentinho?), que explodia de um alto-falante, instalado num fusquinha que aportou bem embaixo da minha janela, no terceiro andar do Sheraton. O Lula, ou Vicentinho, ou, mais provavelmente, um fonônimo de ambos cá da terra exortava os trabalhadores do prédio em construção ao lado a comparecerem à assembléia da categoria.
Nenhum problema, pois, com a seleção brasileira, que, nesse exato momento, despertava sete andares acima. Isto é: presumo, pois o isolamento dos jogadores e da comissão técnica é praticamente total. Poucos, muito poucos, foram os jogadores que se arriscaram a uma volta pelo saguão do hotel, sempre coalhado de moças, meninos, rapazes, peruas e até simpáticas velhinhas que por ali acamparam à espera do autógrafo abençoado.
Um passarinho contou ao companheiro Mário Magalhães que esse exílio dos jogadores é voluntário. Eles simplesmente não querem ouvir a palavra cabalística –Romário. Muito menos ter de responder perguntas indiscretas sobre o nosso implacável, mas falastrão, goleador. Acredito, mas é, de qualquer forma, desumano. E, embora o mistério que nasce do auto-exílio costuma acender a imaginação e cristalizar mitos, não consegui ainda detectar a aura deste time.
Antigamente, seleção brasileira tinha uma forte mística. Os repórteres se revezavam em permanente vigília, à cata de qualquer sinal de vida ou morte do grupo de semideuses vestidos de amarelo. Uma inconfidência sussurrada nos corredores do hotel espalhava-se como um rastilho de pólvora acesa. Cada um tentando chegar ao seu veículo antes e mais completamente do que o outro.
Aqui, porém, a atmosfera é leve, quase de indiferença, a não ser pelo clima de festa criado pelos torcedores de Recife. A cidade toda parece empenhada em reverenciar o time que aqui renasceu das cinzas na Copa América de 89 e nas eliminatórias do ano passado.
No prédio ao lado, que se debruça sobre a piscina do hotel, uma bandeira brasileira ocupa todo o corrimão da sacada do sétimo andar. No terceiro, um cartaz de papelão branco invoca: "Boa sorte. Oremos por nossos craques".
Ao longo do trajeto de meia hora de carro, fora do horário de congestionamento, até o estádio do Arruda, bandeiras faixas, camisas de clubes brasileiros e da seleção estendidas em varais improvisados nas ruas compõem o cenário deste chão de estrelas pernambucano.
A mística da seleção, pois, ficou mesmo com a cidade.

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