São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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"Gormenghast" brinca com imagens góticas

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Espetáculo: Gormenghast
Direção: David Glass
Elenco: David Glass Ensemble
Quando: de hoje a sábado, às 20h
Onde: Sesc Pompéia
Quanto: CR$ 2.000, público em geral, e CR$ 1.000, alunos da Cultura Inglesa e comerciários

Etienne Decroux, Jacques Lecoq, Philippe Gaulier, a genealogia é conhecida. David Glass é mais um integrante da legião "clown". Seus mestres são os citados, entre outros. São os mestres de um teatro entre intelectualmente cômico e obsessivamente físico que, por vezes, rende espetáculos marcantes.
"Gormenghast" é marcante. Vista em Londres no The Lyric Hammersmith –um belo e tradicional teatro de bairro– a montagem de David Glass é sombria mas engraçada, intrincada mas fascinante, um thriller gótico. Baseada na trilogia de romances de Mervyn Peake, autor e artista plástico dos anos 40, ligado a Graham Greene, mostra as história de um castelo fechado em si mesmo.
Gormenghast é o nome do castelo e dentro dele vivem seres muito peculiares. Como Steerpike, o ajudante de cozinheiro cujas ambições frias levam à série de mortes. Barquentine, o mestre dos rituais, decrépito mas sábio. Titus, herdeiro de Gormenghast, jovem avesso ao poder. Gertrude, sua mãe, a condessa. Qualquer semelhança não é concidência, com Shakespeare, ou com Kafka.
Uma diferença de Peake, acentuada conscientemente pelo adaptador John Constable e por Glass, é a ironia com que é tratada a corte de Gormanghast. Outra é a grande sugestão de imagem –do figurino ao gestual– para cada personagem, resultado certamente da ligação de Peake com a pintura. Glass aproveitou-se da sugestão para tornar "Gormenghast" um espetáculo de imagem.
Em não pouca coisa, lembra o teatro de Gerald Thomas. O cenário engenhoso, com um castelo de portas móveis ou com uma inundação impactante, criada por um gigantesco manto branco, é talvez o melhor da encenação, junto com uma ou outra interpretação. Interpretação, porém, que é também o pior de "Gormenghast", o que compromete a peça.
Os dois extremos são Paul Hamilton, nos papéis de Barquentine e Flay, e Ewen Bremmer, que faz Titus. O primeiro usa os recursos da interpretação corporal apenas para dar realce às características dos personagens. O segundo não parece ter maior treinamento além da performance física.
"Gormenghast" tem lá os seus problemas, mas deve deixar sua marca. Não é toda hora que aparece um espetáculo de atmosfera tão envolvente, acompanhado de uma narrativa grandiosa.

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