São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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Stone tapeia o público com erotismo óbvio

EUGÊNIO BUCCI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A atriz Sharon Stone andou comentando que gostava de "Invasão de Privacidade" porque o filme tinha um "erotismo feminino". Quem não viu o filme acha o ponto de vista convidativo. Seria Sharon uma Anais Nin de Hollywood? Estaria ela defendendo uma delicadeza sensual, uma abordagem menos genital do prazer, não mais contra a literatura sem meios palavrões de Henry Miller, mas contra a crueza explícita, contra os apelos pornográficos tipicamente masculinos? A resposta é não. A defesa do erotismo feminino de Sharon é falsa, muito falsa.
Basta ver "Invasão de Privacidade". O que ali seria erotismo feminino não passa de excitação pequeno-burguesa. A moça, Carly Norris (Sharon), vai à academia de ginástica com o rapaz Zeke Hawkins (William Baldwin) e fica toda derretida quando ele, segurando-a pela cintura, por trás, galanteia: "Sabe que você tem a bundinha muito bonita?". Depois ela ganha uma calcinha preta e um sutiã idem do mesmo rapaz, veste os dois, vai "comer alguma coisa" com ele, num lugar devidamente fino e volta pra casa ofegante porque brincou de mostrar o sutiã pra ele, abrindo os botões do vestido, assim, para escândalo das mesas vizinhas, do garçon e de toda a gente que esperava alguma coisa a mais do filme.
Os devaneios existênciais-consumistas dessa editora de livros que gosta de se masturbar na banheira e de dizer que quer um relacionamento mais estável aos 35 anos tem pouco de "femininos" e menos ainda de "eróticos". Ela aluga um apartamento bonitinho, onde vai viver sozinha, jogar golfe no tapete e espiar pela janela os vizinhos transando. Logo descobre que a inquilina anterior, parecida com ela, morreu ao despencar da sacada. Oh, mistério! Assim como a antiga inquilina, passa a ser abordada por dois homens: o escritor Jack Landsford (Tom Berenger) e Zeke (Baldwin), o tal que vai elogiá-la na academia de ginástica. Entre um lance e outro, alguém espiona todos os apartamentos do prédio (principalmente o dela) por meio de um circuito secreto de TV. Oh, suspense!
Cada um dos dois homens assusta nossa bela editora de livros. O escritor parece atrevido demais, é agressivo, sufocante: "Tome o meu livro, sei que você não vai conseguir parar de ler". Escreve histórias de mistério, é óbvio. Cruzes, será que foi ele que matou a outra inquilina loira? O segundo, Zeke, sempre olhando para ela com cara de aluno de colégio que não entendeu a equação estampada na lousa, mais que assustar, intriga: será que ele é burro mesmo ou isso é só tipo?
O roteirista, Joe Eszterhas, não é burro nem faz tipo. Ficou milionário. Havia escrito antes "Instinto Selvagem" e outras coisas. Sabe que as platéias gostam mesmo de ver sangue e desejo. Sangue dos outros. Desejo delas mesmas. Desejo por uma ginástica insinuante, uma banheira de hidromassagem, um restaurante fino, um (a) namorado (a) bobo (a), bonito (a) e bilionário (a), e um emprego bacana, meio "charmoso", meio "cultural". Tudo isso elas desejam e por nada disso dão sangue. Erotismo feminino... Tá legal.

Vídeo: Invasão de Privacidade (Sliver)
Direção: Phillip Noyce
Roteiro: Joe Eszterhas
Elenco: Sharon Stone, William Baldwin e Tom Berenger
Lançamento: CIC Vídeo (tel. 011/816-7391)

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