São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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CD resgata o melhor da Broadway

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Qual o melhor espetáculo da Broadway de todos os tempos? Que me desculpem os admiradores de Cole Porter, Jerome Kern, Irving Berlin, Lorenz & Hart, entre os quais fanaticamente me incluo, mas a resposta é "Guys and Dolls", de Joe Swerling e Abe Burrows (libreto) e Frank Loesser (canções). "Guys and Dolls" (literalmente, malandros e bonecas) é a perfeição em forma de musical. Qualquer dúvida, é só ouvir a trilha de sua última ressurreição na Broadway, que a RCA está lançando no Brasil em CD. Se a dúvida persistir, pegue um avião e vá assistí-la no Martin Beck Theatre de Nova York.
Fazia tempo que shows da Broadway de qualidade indiscutível (e não aquelas grandiloquentes baboseiras assinadas por Andrew Lloyd Webber) só chegavam aqui em discos importados. O vento pode não estar mudando, mas o ar já não está mais parado: além da trilha de "Guys and Dolls", a RCA acaba de desovar outro clássico do gênero, "Anything Goes", acrescido de mais quatro canções que seu autor, Cole Porter, compôs para outros musicais.
Eric Bentley incluiu "Guys and Dolls" em sua antologia de "melhores peças americanas". Nada mais justo com um libreto modelar (inspirado num conto de Damon Runyon, uma espécie de Sergio Porto de Manhattan), a cuja fulgurância coloquial Loesser acrescentou canções maravilhosas como "The Oldest Establishment", "I'll Know", "I've Never Been in Love Before", "Luck Be a Lady" e "Sit Down, You're Rockin' the Boat".
Só conheço de LP a lendária encenação original, de 1950, dirigida por George S. Kaufman e coreografada por Michael Kidd, já disponível em CD da MCA. Adorei a versão com atores negros, produzida na Broadway em 1976, e, como todo mundo, vi o filme (no Brasil, "Eles e Elas") que Joseph L. Mankiewicz dirigiu em 1956, com Marlon Brando, Frank Sinatra, Jean Simmons e uma canção a mais: "A Woman in Love", que estourou nas paradas de sucesso na voz de Frankie Laine.
A atual montagem, em cartaz há dois anos, é ótima, com pelo menos uma vantagem sobre a primeira: Faith Prince é uma Adelaide superior a Vivian Blaine, na voz e no histrionismo. Não peguei no papel de Sky Masterson o altmaniano Peter Gallagher (o piloto de "Short Cuts"), de modo que só posso julgá-lo pelo CD. Digamos que ele canta melhor do que Marlon Brando, tão limitado vocalmente que tiveram de banir do filme "I've Never Been in Love Before".
Nem por isso Robert Alda, protagonista da primeira (e premiadíssima) montagem, merece ser considerado o Sky ideal. Quem o seria? Justo aquele que encarnou o segundo malandro (Nathan Detroit) no cinema: Frank Sinatra. O "velhos olhos azuis" sabia disso, aceitou ficar na sombra de Brando, mas na primeira oportunidade deu o troco num LP com temas da peça, no qual se apossava do repertório do malandro número um, interpretando "I've Never Been in Love Before" como ninguém.
Quem seria, então, o melhor Nathan Detroit? Sam Levene, seu intérprete original? Talvez. Nathan Lane, o atual, é bom. Mas que tal o próprio Frank Loesser e sua voz de Gene Kelly? Seria perfeito, mas inexequível, pois Loesser morreu em 1969. A rigor, indiscutível, mesmo, apenas uma escalação: Stubby Kaye, o primeiro Nicely-Nicely Johnson do palco, sabiamente aproveitado na versão cinematográfica. Seu intérprete atual, Walter Bobbie, se sai galhardamente.
Quando estreou na Broadway, em 1934, "Anything Goes" tinha um punhado de canções que se tornariam famosas: além da própria, "You're the Top", "I Get a Kick Out of You" e "All Trough the Night" (que entrou no lugar de "Easy to Love", recusada por William Gaxton, protagonista da peça, e mais tarde lançada por James Stewart no filme "Nasci Para Dançar").
Quando a remontaram, sete anos atrás, com novo libreto e a estrela de "Evita", Patti LuPone, no papel de Reno Sweeney, acrescentaram-lhe tres números tirados do baú, além de "Easy to Love". O resultado não é tão notável nem tão fiel ao projeto inicial de Porter, como o executado por John McGlinn (CD 49108 da EMI/Angel), até porque deixaram, misteriosamente, de fora "Kate the Great", mas é uma boa iniciação para quem nunca ouviu Ethel Merman, Gaxton e os demais introdutores de "Anything Goes".
O que ela tem de apócrifo –quatro números de outras peças de Porter– não é nada desprezível, muito pelo contrário. Ei-los: "It's De-Lovely" (supostamente inspirada pela visão noturna que o compositor teve da baía de Guanabara e lançada por Ethel Merman e Bob Hope em "Red, Hot and Blue", em 1936) –"Friendship" (cantada por Merman e Bert Lahr em "Du Barry Was a Lady", 1939), "I Want to Row on the Crew" (de um espetáculo universitário, montado em 1914)– e "Goodbye, Little Dream, Goodbye" (composta para Frances Langford, no filme "Nasci Para Dançar", mas apresentada por Merman nas primeiras récitas de "Red, Hot and Blue").

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