São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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Na contramão do cinema

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Mais uma vez vou entrar na contramão. Não sou curtidor dos prêmios da Academia de Hollywood. Faço questão de não assistir aos filmes premiados, principalmente esses que ganham nove ou sete prêmios, como "O Último Imperador", de Bertollucci, e agora "A Lista de Schindler", de Spielberg.
Certa vez, numa noite de chuva aí em São Paulo, entrei num cinema para me abrigar e vi uma coisa abominável, dessas que a gente adivinha passo a passo o que vai acontecer, onde o óbvio é acentuado dramaticamente pela trilha musical também óbvia etc. Só depois fiquei sabendo que havia visto o filme mais premiado do ano, "Rede de Intrigas".
Já foi dito que Spielberg é o Walt Disney dos adultos. Corrijo: de certos adultos. Faltava à sua filmografia, feita de tubarões e dinossauros, um filme dedicado a um tema que provocasse horror e lágrimas. Duas vertentes do cinema comercial e que se dirigem mais às glândulas do corpo do que à sensibilidade, à reflexão.
Um dos executivos da Warner, creio que nos anos 50, deu a fórmula para o filme de sucesso, que fizesse as platéias chorar e rir, além de chocá-las com alguns momentos de horror. A receita era simples: um médico (daqueles antigos, que iam nas casas com a maleta e o termômetro), um menino (preferencialmente sardento e com algum trauma ainda não diagnosticado) e um cachorro –apenas e belamente cachorro.
Quando o cinema tornou-se sonoro, o único ator que não correu o risco de perder o emprego foi Rim-Tim-Tim. O que mostra a interação cinema-cachorro.
Walt Disney explorou criança e cachorro demais. Spielberg explora o primarismo infantil que sobrevive à infância. O tema do holocausto judeu já provocou tantos filmes, romances e eventos paralelos que já está ficando repetitivo.
O melhor filme que vi sobre o anti-semitismo europeu dos anos 30 foi "Os Jardins dos Finzi-Contini", de De Sicca. Sobre campos de concentração, o melhor livro que li foi "A Grande Viagem", de Jorge Semprún, que não era judeu, mas passou anos em Buchenwald. Tanto o filme como o romance me fizeram pensar e sentir. Não me entreteram.

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