São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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URV ou morte

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A crise é tão grave, mas tão grave, que o Brasil está conseguindo fabricar uma crise institucional em cima de uma tremenda banalidade.
Chega a dar saudades das crises de antigamente. É só fazer comparações. Nos primórdios do ciclo militar, em 1964, quando as sombras já começavam a descer sobre o país, o então senador Auro de Moura Andrade cunhou uma frase belíssima: "Farda não é toga e o que está dentro não é juiz". Não adiantou nada, posto que a farda fez-se de fato toga. Mas convenhamos que é uma frase eloquente, capaz de captar em uma dúzia de palavras todo um momento histórico.
Hoje, se as sombras voltarem, a única frase condizente seria: "Farda não é toga, o meu aumento ninguém toma".
Passemos ao Congresso. Foi fechado, em 1968, sob o pretexto de que se recusara a conceder licença para que fosse processado o então deputado Márcio Moreira Alves, autor de um discurso considerado ofensivo pelas Forças Armadas. A sessão em que se negou a licença foi carregada da mais genuína emoção cívica e, ao final, cantou-se o Hino Nacional.
Hoje, se as tropas cercarem o Congresso, em vez do hino, o que se vai cantar é: "Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí".
Desgraçado país é este no qual há toda a motivação possível para uma baita crise institucional, mas que não consegue sequer produzir uma crise decente, épica. Antigamente, mentes e corações se incendiavam pela pátria e pela liberdade, por Deus e pela família, pelo socialismo ou morte, pelas reformas de base, contra o imperialismo ou contra o comunismo.
Hoje, vai-se matar ou morrer pela URV do dia 20 ou do dia 30? Não consigo imaginar uma passeata que tenha a URV como tema.
Francamente, nem a genial moçada do "Casseta e Planeta" seria capaz de criar, na ficção, um enredo tão pateticamente absurdo. Se o "Guiness" tiver um verbete para os grande ridículos do mundo, vai dar Brasil. O mundo mais uma vez se curvará diante da genialidade da brava raça brasileira.

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