São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 1994
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Direção confusa destrói 'Dossiê Pelicano'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: Dossiê Pelicano
Produção: EUA, 1993
Direção: Alan J. Pakula
Elenco: Julia Roberts, Denzel Washington, Sam Shepard
Onde: a partir de hoje nos cines Ritz, Bristol, Gazeta, West Plaza 2 e circuito

Ao mesmo tempo que introduz o espectador a umas duas dúzias de personagens, "Dossiê Pelicano" desenvolve nos primeiros minutos várias tramas paralelas. Há aulas de direito (com Sam Shepard como professor e Julia Roberts como aluna), um namoro tórrido, um repórter de sucesso (Denzel Washington), um juiz ecologista, dois assassinatos, incontáveis matadores profissionais.
Se já é difícil compreender a enumeração de tantos elementos díspares no filme, ver tudo isso é bem mais complicado. O olhar vaga pela tela, inquieto e perdido: tudo que tentamos é reconhecer os personagens, saber quem são, o que significam para a história.
Quando acreditamos ter compreendido um pouco, o personagem que julgávamos central para a história morre: o diretor Alan Pakula deteve-se em alguém que parecia protagonista da história, mas era pouco mais que um figurante.
Isso se repete várias vezes no início do filme, tornando a exposição (momento em que os participantes da história são apresentados ao público) uma confusão.
Sabemos que Alan Pakula ("Acima de Qualquer Suspeita") hoje em dia é um diretor meio desanimado, mas no passado firmou reputação como realizador eficaz de "thrillers" políticos. A intriga de "Todos os Homens do Presidente" (1976), por exemplo, é tão complexa quanto a de "Dossiê", e nem por isso obscura.
Em "Dossiê", leva quase uma hora para o espectador descobrir quem é quem na história (nessa altura, boa parte do elenco já morreu, o que ajuda bem). É o tempo necessário para entender a história da garota (Roberts) que escreve uma teoria aparentemente estapafúrdia a respeito do assassinato de dois juízes da Suprema Corte.
Os dois opunham-se à exploração de petróleo num determinado lugar. O principal interessado era um financiador das campanhas políticas do presidente dos EUA. Portanto, segundo a estudante, a própria Casa Branca estaria envolvida nos crimes. Essa hipótese de trabalho incomoda os assessores da presidência e desencadeia a trama. O mediador é um jornalista combativo (Denzel Washington).
A partir do momento em que os dados estão lançados, porém, percebe-se que a confusão vem menos do roteiro do que da direção de Pakula. Num filme de suspense, em que a toda hora os personagens são observados por alguém disposto a matá-los, o ponto de vista da câmera é essencial.
Ou seja: devemos saber exatamente quando os personagens estão sendo observados e quando a própria câmera está no lugar do olhar do assassino.
Perde-se a conta das vezes em que o uso da câmera em "Dossiê" cria essa função de suspense. Às vezes, faz sentido (a câmera ocupa a posição do olhar do assassino). Outras vezes, nada justifica essa opção: cria-se um falso suspense que desorienta o espectador.
Pakula, que tem dado a seus filmes recentes uma direção burocrática, desta vez está mais animado. Não ajuda muito: ganhou em animação, mas também em inconsequência. No mais, sobrou para Denzel Washington a tarefa de segurar Julia Roberts fazendo charminho em tempo integral.

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