São Paulo, sábado, 26 de março de 1994
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Saída de Fernando Henrique

JANIO DE FREITAS

A partir de terça-feira o Brasil terá outro ministro da Fazenda, pelo que ficou acertado em princípio entre o presidente Itamar Franco e Fernando Henrique. O novo ministro deverá ser Pedro Malan, sendo Pérsio Arida o indicado para substituí-lo na presidência do Banco Central.
Fernando Henrique prefere a terça-feira para que seu gesto tenha maior repercussão. A desincompatibilizar-se na quarta-feira 30, a notícia já recairia no vazio da Quinta-feira Santa e, a partir daí, ficaria diluida na sequência de feriados.
A grave insignificância
Não há mais dúvida de que o conflito com o Supremo Tribunal Federal e com o Congresso foi apresentado ao presidente Itamar como exigência dos ministros militares, que invocavam o endurecimento como meio de manterem o controle da disciplina nos quartéis exaltados. O fato de que fosse exigência já diz muito, por si só, da delicada complexidade da situação nacional. Ainda assim, pode-se chegar a uma percepção mais eloquente, não com uma resposta informativa, mas pela falta de resposta para esta pergunta: e se Itamar se recusasse a aderir à exigência, o que teria acontecido ao Congresso e ao Supremo, se não também a ele próprio?
Não sei de ninguém que, tendo mantido contato com bem informados, militares ou civis, entre sexta e terça-feira, não ficasse abalado pela gravidade da crise e do risco à "integridade das instituições" –na expressão do preocupado, porque informado por Fernando Henrique, Tasso Jereissati, em seu artigo na Folha de quarta-feira. É natural que, a todos os que se informaram por parte do noticiário (um ou outro jornal, este ou aquele telejornal), pareça irrisório um episódio desenrolado em torno de 10,9% de URVs a mais ou a menos. Mas tal visão é confundir o fato com sua significação e com suas implicações.
Os militares não se exaltaram pelas URVs do Supremo ou do Congresso. Expuseram a exaltação porque já estavam exaltados. E continuam. Tomar agora o arrefecimento de sua exigência como pacificação dos seus ânimos, seria permanecer na limitação percpetiva. O tom dos comandos passou de conflituoso a tolerante porque, a meio da crise, perceberam a fragilidade da gota d'água que os movera. Foram precipitações, como a inicial do ministro da Administração, general Romildo Canhim, que incendiaram os ânimos e levaram a outras precipitações, como as dos ministros de Assuntos Estratégicos, do EMFA e da Marinha, proponentes mais ardorosos da exigência ao presidente. E este, mal informado ou desinformado do que era a decisão do Supremo e da decisão ainda a ser tomada pelo Senado, adotou o confronto, em lugar do tratamento político e administrativo da desavença entre a defeituosa MP da URV e as conversões para o Congresso e o Judiciário.
O que se pode depreender do episódio é muito mais do que um artiguinho comporta. Mas caberá notar algumas coisas. A começar do que, tão desgastadas estão as instituições, inclusive a mais alta instância do Judiciário, que um motivo irrisório é suficiente para pô-las sob confronto ameaçador. E se, desta vez, o pretexto irrisório ruiu quando examinado o seu teor sem precipitações dedutivas, isto quer dizer, primeiro, que não são necessários mais do que pretextos e, depois, que outros pretextos podem não ser tão equivocados a ponto de diluir uma crise.

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